Opinião
Da ilusão ao real: a baixa influência de Lula nas eleições dos grandes centros e regiões metropolitanas
As eleições municipais são, dentro da ciência política, motivo de análise e estudos acadêmicos.
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Anderson SantosContemplando mais uma vez os chamados “especialistas de botequim”, não podemos deixar de fazer uma analogia da política com o futebol, afinal, são os assuntos sobre os quais estes são experts. Essas figuras caricatas da geopolítica nacional têm sempre um conjunto de “pitacos” baseados em suas crenças e preferências partidárias. O resultado das eleições, no entanto, é baseado em fatores concretos, que podem ser mensurados e estudados de forma analítica, com base em estatísticas e fatos altamente previsíveis, para quem enxerga a política como ela é, e, como eu gosto de afirmar categoricamente, uma ciência.
Como ciência, ela tem seus fundamentos e bases teóricas. As eleições municipais também são, dentro da ciência política, motivo de análise e estudos acadêmicos. Um dos elementos que devem ser estudados de forma aprofundada é a influência dos governos federais e estaduais nas eleições municipais. Levando em consideração nível de escolaridade, poder econômico, índice de desenvolvimento social e humano e o cruzamento entre esses números e os resultados eleitorais, podemos fazer uma real análise da influência de Lula e do governo federal nestas eleições.
Ao analisar a mudança das bases eleitorais de Lula, vamos encontrar dois momentos onde isso acontece com bastante força. O primeiro foi no final da década de 1990 até 2002, fruto das estratégias adotadas pelo partido, seu rebaixamento programático e sua política de alianças, e outro momento mais robusto e que se estende do período de 2006 até os dias atuais.
Nesse segundo momento, o que se constatou foi uma expressiva mudança no contorno geográfico da base eleitoral de Lula, quando comparada às eleições anteriores, em particular as municipais anteriores a 2002. O percentual de votos nos municípios diminuiu nas regiões Centro-Sul do país, nas regiões metropolitanas e grandes centros urbanos, e aumentou nas regiões Norte e Nordeste, em municípios pequenos e com baixa capacidade de arrecadação. O principal fator responsável por esse movimento de inversão geográfica na base eleitoral foi a política de transferências diretas de renda dos programas sociais implementados no primeiro mandato, em especial o Bolsa Família.
Para os estudiosos Hunter e Power (2007), essa mudança no perfil do eleitor de Lula em 2006 indicaria que o político se distancia do PT e segue em direção a um estilo mais centrado em sua personalidade, e que passou a dominar os antigos grotões. Os autores comparam a “interiorização” ou “nordestização” das bases eleitorais atuais com o modelo típico do Brasil de 50 anos atrás retratado por Leal (1948). Na opinião dos autores, isso continua a refletir a consequência do uso da máquina pública para práticas de clientelismo. Essa prática não é nenhuma novidade, Lula teria se dirigido aos grotões pela mesma lógica de outros governantes, ou seja, a tendência de voto pró-governo nos municípios mais carentes do interior.
Segundo Zucco (2008), a mudança em 2006 não é simplesmente uma guinada de Lula em direção ao Norte e ao Nordeste, pois em 22 dentre os 26 estados, a correlação entre votos de Lula e indicadores municipais de desenvolvimento social foi negativa, com Lula ganhando terreno nos municípios menores e menos desenvolvidos, e perdendo espaço no outro extremo. Dados de nível individual sobre as intenções de voto, oriundos de pesquisas do Instituto Datafolha realizadas pouco antes de cada eleição, corroboraram esse diagnóstico: as intenções dos eleitores do interior, com menos anos de estudo e renda menor, favoreceram mais a Lula, invertendo o padrão dos anos anteriores.
Os municípios do interior que possuem baixa capacidade de investimento, onde os prefeitos mal conseguem pagar a folha salarial com a receita que possuem e precisam ficar de “cuia” na mão, atrás de deputados estaduais e deputados federais para construir relação com os governadores e presidentes, conseguir recursos e atender demandas dos seus eleitores, são reféns dessa lógica de uso da máquina pública para formação de base eleitoral.
Essa dependência de apoio político e econômico dos governos estaduais e federais não afeta tanto aos municípios metropolitanos e as capitais que possuem arrecadação quase que suficiente para tocar as necessidades do dia a dia de sua população. Sem essa dependência, há, logicamente, mais independência. Assim, a disputa eleitoral ocorre a partir dos efeitos da relação governo municipal/ gestor/ grupo político e sua avaliação junto à população.
Se a população aprova a gestão e seu gestor atual, a tendência majoritária é que o grupo seja reconduzido ao poder. No caso do atual modelo de legislação eleitoral, na qual temos um período de pré-campanha extenso, mas um período de campanha curto, quem está na máquina e possui o controle das políticas públicas e sua aplicação tem vantagem diante de quem está fora.
Como já foi apresentado ao longo do texto, em cidades como Camaçari, Feira de Santana e Vitória da Conquista, a influência externa de governadores e presidentes é quase nula, até porque a relação do eleitor é majoritariamente com o governo municipal.
Com isso, as métricas que determinarão a decisão do voto do eleitor são um conjunto de contextos claros e definidos, a avaliação do governo municipal, a avalição do atual gestor municipal, o perfil dos candidatos. Além disso, será levada em conta, de forma muito efetiva, a rejeição dos candidatos x seu nível de conhecimento pela população, que resultará num índice chamado de potencial de crescimento. Esses fatores serão decisivos para o resultado das urnas. O que vem à margem disso é retórica persuasiva vazia e sem nenhuma base de dados concreta que possa validá-la.
Anderson Santos é presidente da Fundação Educação para Consciência – FEC
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
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