Opinião
Racismo estrutural: ainda não alcançamos o sonho de King
O racismo como um problema de todos!
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Laiana FrançaEm 1963, o então pastor estadunidenses Martin Luther King Jr. realizou um discurso que se tornaria um dos maiores símbolos na luta pela igualdade racial e o fim da segregação. Quando King declarou: “I have a dream [eu tenho um sonho]”, os negros, já livres do processo de escravatura há mais de um século, permaneciam como seres secundários e inferiores aos brancos, mesmo que suas moradias já não fossem nas senzalas e sua mão de obra fosse remunerada. Eles seguiam marginalizados e excluídos do berço social. A luta de Martin, que se concretizou como seu maior sonho e objetivo de vida, se resumia no anseio para que não houvesse julgamento de pessoas baseado na cor da pele. Infelizmente, King, ainda não vivenciamos o seu sonho.
Já se passaram cerca de 60 anos desde a proclamação do sonho de King, e 220 anos desde o fim da escravatura no primeiro país a declarar os negros livres. Contudo, ainda é real a posição secundária das pessoas pretas nas sociedades, mesmo que não estejamos mais em cenário escravocrata declarado e que existam documentos jurídicos e políticos que validam a igualdade racial em âmbito internacional, como o pacto da ONU. Pessoas negras morrem 4,7% mais do que brancas em todo o mundo. Tratando-se de Brasil, 14,6% dos assassinatos são de homens, jovens, negros e classe social baixa, quatro vezes maior que de pessoas não negras (IBGE, 2020). Somos maioria também no desemprego, com 11,3%; no analfabetismo, com 7,4%, mais que o dobro de pessoas brancas (IBGE, 2022); e nos presídios, com 68,2% de protagonismo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023.
O Brasil foi o último país das Américas a declarar o fim do processo de escravidão, em 1888, com a promulgação da Lei Áurea. Não por piedade, compaixão ou misericórdia (como foi ensinado nos livros de História), mas devido à resistência dos negros escravizados, somada ao interesse econômico internacional. Com a Lei Áurea, 1.500.000 pessoas escravizadas foram “libertas” e inseridas na sociedade sem nenhum suporte ou condições básicas de sobrevivência! Não tiveram nenhum aparo ou lei que contribuísse para o combate ao abismo social causado por um processo histórico de opressão e desvantagens.
Ainda que livres, os negros em solo brasileiro só tiveram uma lei que validasse o racismo como crime em 1989, através da Lei Caó 7.716, após o processo de redemocratização. No entanto, o país permanece no top 10 no ranking mundial de países racistas (ONU, 2020). Ainda não estamos verdadeiramente livres, e o racismo está enraizado nos costumes desta terra. Os negros do Brasil atual já não estão nos pelourinhos, mas ocupam as prisões; já não são os chicotes dos senhores que derramam seu sangue, mas as balas perdidas; já não sofrem com a precariedade das senzalas, mas sim das comunidades periféricas.
Ser negro é um ato de resistência, é preciso resistir todos os dias às diversas correntes que nos acorrentam. O racismo está inserido no DNA mundial, e as heranças da escravidão insistem em nos subjugar, seja no vocabulário, na invisibilização da nossa arte, nos ataques às religiões de matrizes africanas, na construção da beleza que exclui toda e qualquer característica negra como bela, na objetificação sexual e física do corpo negro.
É, King, ainda não alcançamos o seu tão desejado sonho. E só o alcançaremos quando todos entenderem que o racismo é um problema, e um problema de todos. Só após esse entendimento, juntamente a políticas públicas eficazes tanto no âmbito nacional como internacional, poderíamos nos declarar “livre[s] afinal, livre[s] afinal”.
Laiana França é mercadóloga, pós-graduada em Gestão Empresarial, estudante de Direito e mestranda em Economia, além de feminista e militante dos Direitos Humanos.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
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