Opinião
Ligeirinho, veneno ou remédio?, por Cleiton Souza
Trouxe uma reflexão relacionada ao tema com o quadro chamado “A morte de Sócrates”.
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Cleiton SouzaRegulamentação da modalidade geraria benefício tridimensional, para o usuário (transporte adequado e seguro de acidentes pessoais a passageiros), para o motorista do ligeirinho (vinculo e previdência) e para o município (arrecadação de tributo).
A Constituição Federal alça como um dos direitos sociais do brasileiro o direito ao transporte, ao tempo em que aponta que compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local, bem como, para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte, que tem caráter ESSENCIAL, ver artigo 30 e seguintes. Nesse passo, temos o importantíssimo papel da municipalidade na vida das pessoas, pois é um ente efetivador de direitos.
Por sua vez, temos em Camaçari, na Bahia uma classe de trabalhadores e trabalhadoras que suplicam há anos pelo direito de explorar uma das modalidades de serviço de transporte de passageiros, o táxi-lotação, tecnicamente chamado de transporte remunerado privado individual de passageiros, ou vulgarmente de LIGEIRINHO.
Com a sinceridade que me compete, até pouco tempo acreditava que tal modalidade de transporte era um verdadeiro “VENENO” para a integridade municipal, entendia que atentava contra a mobilidade urbana e a saúde do sistema, porque supostamente inviabilizaria a correta e harmônica operação dos meios convencionais de transporte público, ônibus, táxis, mototáxis e etc. Sem falar que a ideia de “lotação” se refere a coletivo, logo, apenas poderia ser explorado por ônibus e micro-ônibus.
Vale destacar que historicamente os ligeirinhos sempre foram tratados como “veneno”, até mesmo pelo Ministério Público, eis que no item 3.1 do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do TRANSPORTE PÚBLICO, celebrado no dia 3 de agosto de 2011, fez constar expressamente o comando quanto a obrigatoriedade do Município e Superintendência de Trânsito e Transporte Público (STT) adotassem ação de natureza contínua para “intensificar a fiscalização do transporte clandestino”.
De mais a mais, a modalidade também era considerada indigesta pelo poder executivo e pelo legislativo dos anos de 2014/2015, eis que aprovaram a LEI MUNICIPAL DE Nº 1.361 de 11 de dezembro de 2014, que decretava guerra aos ligeirinhos, instituindo regras para o combate ao transporte irregular de passageiros. O executivo utilizando do seu poder conferido por lei, editou o DECRETO MUNICIPAL DE Nº. 5954 de 30 de abril de 2015, regulamentando a referida lei municipal, apontando medidas e instituindo multa.
Amparado na lei e no decreto municipal acima mencionada, bem como, no artigo 135 do Código de Trânsito Brasileiro, que dita “Os veículos de aluguel, destinados ao TRANSPORTE INDIVIDUAL OU COLETIVO DE PASSAGEIROS de linhas regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado, para registro, licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial, DEVERÃO ESTAR DEVIDAMENTE AUTORIZADOS PELO PODER PÚBLICO CONCEDENTE”, recorrentemente, a aludida classe sofre com ações da STT, resultando em apreensões de veículos e multas de trânsito.
Todavia, este sentimento equivocado de “peçonha” permanece até a presente data! Visto que em 2023 o LIGEIRINHO AINDA NÃO FOI REGULAMENTADO EM NOSSO MUNICÍPIO. Em resumo, o poder legislativo e o executivo atual também dão as costas para tais trabalhadores. Entretanto, acredito ser injusto!
Ainda que tratado marginalmente como TRANSPORTE CLANDESTINO, o ligeirinho presta serviço nesta cidade há mais de 15 anos! Diga-se, ininterruptamente! Sob o olhar latente, promiscuo, indigno e prevaricante das autoridades! A absurdidade é tão espetaculosa, mas tão espetaculosa, que a “estação de embarque e desembarque de passageiros” da suposta atividade irregular fica localizada no CENTRO DA CIDADE, Rua Eixo Urbano Central, em frente à estação, ao lado do antigo cinema! FATO PÚBLICO E NOTÓRIO! Sendo uma prova ululante que até mesmo o Poder Público reconhece o valoroso trabalho prestado, posto ser permissivo e cortejador do suor e ousadia alheia!
Não há como negar que passados tantos e tantos anos operando de forma livre, diária e habitual, atendendo a diversos bairros desta cidade,contemplando o interesse de considerável parcela da população, prestando suporte ao precário e indigno sistema, resta inconteste que, ATUALMENTE, o serviço é de INTERESSE PÚBLICO e de natureza ESSENCIAL, haja vista que conseguem atender a uma demanda que o ônibus “regular” não atendia e não atende, seja por desinteresse, não rentabilidade ou covardia!
De outro lado, a Lei nº 12.468/2011 que regulamenta a profissão de taxista, nada fala sobre o táxi-lotação. Todavia, realizando pouco esforço técnico-jurídico e hermenêutico, até porque a legislação que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a LEI Nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, mais conhecida como Lei de Mobilidade Urbana, sofreu profunda inovação através da Lei nº 13.640, de 2018, que deu NOVA REDAÇÃO ao inciso X do artigo 4º, conceituando o transporte remunerado privado individual de passageiros, apontando como sendo o “serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede”, retrata os motoristas de aplicativos, exemplo, Ubber e 99pop. Entretanto, a meu sentir, como quem pode mais, pode menos, alcançariaacategoria de“ligeirinho”, basta exigir a criaçãoda referida plataforma, gerenciada diretamente pelos operadores e fiscalizada pelo órgão de trânsito da cidade.
O interessante é que o motorista de aplicativo pode pegar qualquer passageiro e ir para qualquer localidade da cidade, mas o ligeirinho que tem demanda, itinerário e zona definida, não! A contradição é escancarada!
Além do mais, tomando a Lei de Mobilidade como referência, artigo 11-A, a regularização dos ligeirinhos traria benefício tridimensional = MUNICÍPIO x USUÁRIO x MOTORISTA, vejamos:
1 – efetiva COBRANÇA DOS TRIBUTOS MUNICIPAIS devidos pela prestação do serviço; BENEFÍCIO AO MUNICÍPIO = o cofre público de nossa cidade agradeceria, pois representaria entrada de receita. Pela quantidade de ligeirinhos transitando nas ruas, suponho ter em média de 200 veículos clandestinos. O valor auferido poderia ser revertido para implementar melhoria no trânsito e transporte da cidade, que muito carece de atenção.
2 – exigência de CONTRATAÇÃO DE SEGURO de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); BENEFÍCIO PARA O USUÁRIO E O MOTORISTA, eis que havendo acidente de transito, ambos seriam contemplados com a reparação de dano.
3 – exigência de INSCRIÇÃO DO MOTORISTA COMO CONTRIBUINTE INDIVIDUALdo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213/1991. BENEFÍCIO PARA O MOTORISTA, destinado a assegurar os direitos previdenciários dos trabalhadores, garantindo um futuro digno, e assegurando-os em caso de doença.
A Lei de Mobilidade Urbana ainda indica que “compete exclusivamente aos MUNICÍPIOS (…) regulamentar e fiscalizar tal serviço”, ver artigo 11-A. E que a REGULAMENTAÇÃO e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, o Município DEVERÁ OBSERVAR AS SEGUINTES DIRETRIZES, tendo em vista a EFICIÊNCIA, a EFICÁCIA, a SEGURANÇA e a EFETIVIDADE na prestação do serviço. Ao passo, tais diretrizes estão sendo atendidas!
Após ouvir muitos usuários imparciais, que falaram bem do ligeirinho, com algumas pequenas ressalvas quanto ao ano do carro, limpeza, tratamento do motoristas; depois de visualizar a livre operação dos ligeirinhos por anos; depois de assistir ao grandioso trabalho realizado por tal classe, após o sistema regular de transporte público municipal de passageiros colapsar, eis que deram salutar apoio a população; considerando a “parcimônia” do poder público em não realizar o combate efetivo, e que permite a operação no centro da cidade. MODIFICO MINHA OPINIÃO E ACREDITO QUE ATUALMENTE O LIGEIRINHO É NA VERDADE UM DOS REMÉDIOS PARA A DOENÇA QUE ACOMETE SISTEMATICAMENTE O TRANSPORTE PÚBLICO REGULAR DE PASSAGEIROS DA CIDADE.
Ademais, como chamar os ligeirinhos de clandestinos, se os taxistas estão sem alvará atualizado, se os mototaxistas não possuem cadastro ou alvarás, se inexiste um transporte público coletivo licitado na cidade, e todos operam livremente na cidade! Hipocrisia!
Diante do exposto, considerando a competência do Município para regulamentar a atividade dos ligeirinhos, outra alternativa não há para o prefeito e vereadores da base, senão aprovar um projeto de lei que, em regra, faria uma simples adaptação do texto da Lei de Mobilidade Urbana.
Todavia, para subsidiar a regulamentação, sugiro que o prefeito primeiro faça uso da CONSULTA POPULAR, prevista na LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO, em seu artigo 105 que dita “O Prefeito poderá realizar consultas populares para decidir sobre assunto de interesse específico do Município, de bairro ou distrito, cujas medidas deverão ser tomadas diretamente pela Administração Municipal”. Medida também prevista no DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942, a chamada Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que dita em seu artigo 26 “Para ELIMINAR IRREGULARIDADE, incerteza jurídica ou SITUAÇÃO CONTENCIOSA NA APLICAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após REALIZAÇÃO DE CONSULTA PÚBLICA, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”. A consulta seria a ideal métrica e elemento legitimador para a implementação.
Nesse passo, realizada a consulta pública e havendo aprovação popular; faz o mapeamento da OFERTA x DEMANDA x LOCAL x NECESSIDADE; estabelece os itinerários e pontos de paradas; faz o projeto de lei com natureza de urgência; articula com os vereadores da base, aprova, sanciona, publica,e está RESOLVIDO o problema da REGULAMENTAÇÃO! Quanto a escolha dos operadores, que seja realizada a devida LICITAÇÃO, conforme disposto em lei!
É de se ver, basta apenas ter vontade!
Por fim, lembrei do quadro chamado “A morte de Sócrates”, pintado em 1787, por Jacques-Louis David, restando pungente a seguinte reflexão destinada ao prefeito e aos vereadores da base:
“Tomem o cálice e bebam!
A cicuta que sua mente cria
É uma imagem desfocada da realidade
Pois, em verdade…
É o precioso remédio que cura e alivia”.
Observação, se as referidas autoridades não aceitarem o cálice (regulamentação) e tomar o remédio (ligeirinho), para ajudar a curar a doença que acomete o transporte público, considerando que a Constituição Federal estabelece como fundamento da República, em seu artigo 1º, inciso IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o trabalho como direito social, em seu artigo 6º, e como elemento promotor da ordem econômica, OS LIGEIRINHOS PODEM FAZER USO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL previsto no artigo 5º, inciso LXXI, impetrando o MANDADO DE INJUNÇÃO, acionando o Município de Camaçari e a Câmara de Vereadores, alegando que a falta de norma regulamentadora torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais.
Regulamentação JÁ!
Cleiton Souza é advogado, professor universitário, especialista em Direito Público, Direito Penal e Processo Penal.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
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