Especiais
Camaçari: sete anos após sanção de lei, Bolsa Atleta está abandonado
No primeiro e único edital, em 2015, o programa beneficiou 129 desportistas com até R$ 500 por mês.
Publicado
em
Conseguir auxílio financeiro para participar de competições é um dos principais obstáculos encontrados por atletas durante o longo percurso que é uma carreira esportiva.
Com o objetivo de reduzir essa dificuldade, foi criado em Camaçari, no ano de 2015, o programa Bolsa Atleta, que garantia a manutenção pessoal mínima e assegurava um auxílio financeiro para que os atletas se dedicassem ao treinamento esportivo.
Sete anos depois, o Bolsa Atleta está paralisado e não há informações sobre a extinção do programa ou cadastro de novos beneficiários. No entanto, seja andando pelas ruas da cidade ou navegando nas redes sociais, é comum se deparar com atletas de Camaçari fazendo “vaquinhas” para custear gastos com competições esportivas.
Professor de jiu-jitsu, Samuel Gonçalves foi um dos beneficiados pelo Bolsa Atleta em 2015. Ao Destaque1, ele contou sobre a dificuldade de encontrar auxílio financeiro para as competições. “Ficar sem esse apoio do Bolsa Atleta é muito difícil. Os campeonatos estão muito caros e temos o gasto com a locomoção. Vários atletas meus estão sem poder competir por falta de grana. Isso é uma vergonha para nossa cidade e uma falta de respeito para com os nossos atletas. Hoje sou professor, mas ainda tenho ido nas competições. Tenho visto algumas poucas movimentações da Secretaria de Esporte. Alguns eventos têm acontecido na cidade, mas alguns atletas precisam de um apoio maior para poderem competir em mais torneios e assim trazer ainda mais resultados para a nossa cidade”, contou.
O Bolsa Atleta também foi essencial para ajudar a jogadora de vôlei Mirely Santos a ter melhores condições de treino com equipamentos adequados. Hoje, aos 23 anos, embora tenha reduzido a frequência com que pratica, sente falta de incentivo do governo municipal.
“Logo na época, o incentivo financeiro permitiu participar das competições, comprar tênis, joelheiras e outros acessórios necessários para o esporte. A maioria das competições geravam custos, nem que fossem mínimos, mas geravam. Como éramos menor de idade e a maioria dependia 100% dos pais, nem todos tinham condições de participar, e o incentivo chegou a ajudar, mas foi por pouco tempo, e com isso voltaram as vaquinhas, rifas, para poder participar das competições”, destacou.
As dificuldades também são relatadas pelo karateca William Barbosa, de 30 anos. “Foi e está muito difícil, porque nunca tive apoio de patrocínio. Sempre foi do meu bolso e dos familiares. Tive que parar de praticar a atividade por um tempo, devido não ter como me bancar nas competições, e retorno nas competições esse ano”, contou.
Como funcionava
Os beneficiários tinham direito a auxílio financeiro, transporte, alimentação e hospedagem. O Bolsa Atleta atendia 29 modalidades esportivas: atletismo, basketball, bicicross, boxe, capoeira, culturismo e musculação, futebol amador, futsal amador, ginástica rítmica, handebol, jiu-jitsu, judô, karatê, MMA, motociclismo, natação, rugby, surf, taekwondo, tênis, tênis de mesa, voleibol (quadra e praia), xadrez, skate, patins, sandboard, mountain bike, frescobol e futebol 7.
O programa era dividido em três categorias:
- Atleta de Base I: idade de 8 a 15 anos, destinado aos atletas que participavam com destaque nas ações realizadas pela Secretaria Municipal de Esportes ou por entidades por esta apoiadas;
- Atleta de Base II: idade a partir de 8 anos, destinado aos atletas que participavam com destaque nas ações realizadas a nível estadual, exceto para esportes coletivos, cuja referência era de 8 a 25 anos;
- Atleta Estadual/Nacional: destinado aos atletas que participavam com destaque das categorias em nível de Federação/Confederação, ranqueados pelas respectivas entidades administrativas do desporto. No caso dos esportes coletivos, a referência era exclusivamente a nível estadual.
Eram ofertadas 250 bolsas, sendo 50 para atletas de Base I, 100 para atletas de Base II, e 100 para atletas Estadual/Nacional. A lei previa que o Bolsa Atleta seria concedido por um ano, a ser pago em 12 parcelas mensais, e poderia ser renovado. Os valores eram de R$ 200 para atletas de Base I, R$ 350 para atletas de Base II e R$ 500 para atletas Estadual/Nacional. Após o processo seletivo, 129 desportistas foram contemplados.
Entre os requisitos para participar do programa estavam: residir em Camaçari, ter participado de competições há no mínimo um ano no momento da inscrição, apresentar bom desempenho escolar, apresentar plano anual de participação em competições, entre outros.
Os atletas bolsistas deveriam, obrigatoriamente, prestar contas à Secretaria de Esporte até 30 dias após o recebimento da última parcela, mostrando que os recursos recebidos haviam sido utilizados para custear as despesas de manutenção pessoal e esportiva do atleta beneficiado. Além disso, os atletas que recebiam o benefício e conquistavam medalhas em eventos nacionais ou internacionais de alta repercussão tinham prioridade para renovação das suas respectivas bolsas.
O programa foi criado através de Projeto de Lei de autoria do Poder Executivo, atendendo indicação do então vereador Otaviano Maia. A Lei n° 1372 foi sancionada no dia 15 de abril de 2015, durante a gestão do ex-prefeito Ademar Delgado.
Autor da indicação, o ex-vereador e hoje subsecretário de Habitação, Otaviano Maia, conta que tinha trânsito no meio esportivo, mas encontrou resistência do então secretário de Esporte e Lazer (Sedel), Marco Antônio, e o debate sobre o tema avançou somente após a ida de Anderson Santos para a pasta.
“Eu era presidente da Comissão de Esporte e Cultura na Câmara, aí a gente foi mapeando essas deficiências e partimos pra dar atenção aos atletas na época. O secretário era Marco Antônio, e a gente teve muito trabalho com ele, muito trabalho mesmo. Ele não compreendia qual era a pauta, não compreendia a importância. Num segundo momento, o Anderson, que era secretário de Relações Institucionais, passou a ser secretário de Esporte, e aí a gente começou a trabalhar de uma forma mais intensiva. Com a chegada do Bolsa Atleta ficou mais organizado, porque o Bolsa Atleta era um dinheiro mesmo na conta do próprio atleta para suprir o mínimo da sua necessidade. Tinha valor de R$ 150 a R$ 600, era bom, pegava transporte, comprava suplemento, era bem bacana, o resultado foi muito bom”, relata em entrevista ao Destaque1.
Titular da Secretaria Municipal de Esportes no período de criação do Bolsa Atleta, o ex-secretário Anderson Santos destacou a importância que o programa teve no fomento à prática de esportes no município.
“O esporte em si é uma política pública que abrange diversos aspectos fundamentais para o progresso e evolução do ser humano, quando desenvolve no ser o desejo de crescer, competir de forma saudável e necessária, alerta para a necessidade de cuidado com a saúde, a disciplina que precisamos em todos os âmbitos da nossa vida. E por isso, pensando nisso e conhecendo de perto a realidade dos atletas da nossa cidade e o quanto eles têm para realizar em si mesmo e para o outro, sendo exemplo e espelho para suas comunidades e para o nosso município, não pude perder a oportunidade de, atuando na política e estando secretário, de desenvolver e criar algo que pudesse facilitar e minimizar as dificuldades dos atletas”, declara.
Posição da Sejuv
Em entrevista ao Destaque1, o atual secretário de Esporte, Lazer e Juventude (Sejuv), Jorge Curvelo, diz que o Bolsa Atleta deve voltar a funcionar no ano que vem.
“Durante esse período, alguns secretários que passaram pela pasta não se utilizaram da lei [Bolsa Atleta], não deram segmento. Entramos aqui e agora já conversamos, e, desde o início da nossa vinda pra secretaria, nós estamos fazendo ajustes para poder implantar realmente a lei, porque nós precisamos do Bolsa Atleta, porque tem uma infinidade de atletas dentro do nosso município que precisa desse auxílio”, fala.
Diante da projeção de retomada, Curvelo aponta que a Sejuv adotará outros pré-requisitos para que atletas camaçarienses possam conquistar o benefício, a exemplo de nivelar os atletas por ranking.
“Para conseguirmos fazer o Bolsa Atleta, vamos precisar de ajustes com alguns critérios, principalmente o ranking. Vai precisar ser um atleta ranqueado, aí nós vamos definir, não sei se é primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, um ranking para que essa pessoa possa ter ajuda, que eu entendo que ela tem que ser anual. Enquanto você está ali durante o ano, você vai receber aquela ajuda, vai se deslocar para seus campeonatos”, comenta.
O secretário confirma que o programa já está sendo estudado pela Procuradoria-Geral do Município e garante que o beneficio estará disponível em 2023. “Só estou aguardando, eu acho que não demora muito para a procuradoria jurídica do município fazer ajustes, e nós vamos já poder ter, creio que no ano que vem, já colocar em prática e disponibilizar para os atletas de Camaçari essa ajuda através do Bolsa Atleta”, assegura.
Em relação aos valores, Curvelo indica que o Bolsa Atleta poderá operar com valores parecidos com os praticados pelo Governo do Estado.
“Eu não vou dizer valores, mas precisa ser um valor justo. Precisa se fazer um estudo que comporte a cidade e o atleta. Eu vejo que nós temos que pegar valores de, digamos, como a Sudesb. Temos que pegar valores nesse nível, onde já exista o Bolsa Atleta, onde ele já tem essa prática, pegar valores e ver se adequa a Camaçari. Adequando, ótimo. Precisamos dar um pouco mais de aumento ou coisa parecida. O que nós estamos estudando é isso, não simplesmente eu dar R$ 150 a R$ 200, porque o atleta não vai fazer nada com aquilo. Muitas vezes não vai ser tão útil para sua preparação, porque cada modalidade esportiva tem um custo, até isso nós temos que estudar”, conclui.
De acordo com edital de agosto de 2021, o programa Bolsa Esporte da Superintendência de Desportos da Bahia (Sudesb) é de R$ 600 a R$ 2.000, divididos em cinco categorias. São elas: Nacional B (R$ 600); Nacional A (R$ 800); Internacional C (R$ 1.000); Internacional B (R$ 1.500); Internacional A (R$ 2.000).
O Governo do Estado ainda conta com o programa Faz Atleta, que incentiva projetos e eventos esportivos, além de atletas, através de uma parceria público-privada. A contrapartida para as empresas é o incentivo fiscal e a divulgação da marca pelo atleta ou evento esportivo beneficiado. Só no mês de outubro deste ano foram contemplados 23 projetos, com o valor total de R$ 844.111,89 (veja aqui).
Orçamento 2023
O Bolsa Atleta não está previsto na Lei Orçamentária Anual de 2023 (LOA 2023). O orçamento total da LOA previsto para a Sejuv é de R$1.508.000,00, sendo R$ 3.000,00 destinados à construção de espaços esportivos; R$ 600.000,00 para adequação e ampliação de unidades esportivas; R$ 130.000,00 destinados à qualificação da Sejuv; R$ 200.000,00 para melhoria na infraestrutura do espaço esportivo; R$ 75.000,00 voltados a parcerias com instituições governamentais e não governamentais para apoio ao esporte e lazer, e, por fim, R$ 500.000,00 destinados ao desenvolvimento de eventos esportivos e recreativos.
De acordo com Jorge Curvelo, ainda cabem emendas para que haja um investimento do Executivo para viabilizar o programa Bolsa Atleta. “Nós vamos fazer é justamente isso, é por isso, dar celeridade a essa situação. Foi até coincidência vocês virem aqui, porque nós já estamos trabalhando isso há um tempo, mas faz-se emendas dentro do orçamento da LOA e tudo mais, mas nós não teríamos dificuldade com isso, não”, afirma.
Mensagem do Executivo encaminhando o PL (projeto de lei) da Lei Orçamentária Anual de 2023 foi lida em plenário na sessão ordinária da última terça-feira (8), e a matéria seguiu para as comissões de Constituição e Justiça e de Orçamento (lembre aqui).
Leia Também
-
Número 192 do Samu em Camaçari está fora do ar nesta segunda
-
Tagner Cerqueira propõe Título de Cidadão de Camaçari ao baiano Davi Brito
-
UPA de Arembepe recebe nova ambulância do Governo da Bahia
-
OR Empreendimentos Imobiliários estuda investir R$ 200 milhões em Camaçari
-
Em Camaçari, Feira Saúde Mais Perto realizou cerca de 10 mil atendimentos
-
Suspeito de tráfico de drogas morre em confronto com a polícia no Parque das Mangabas