Opinião
A falta de recursos para o SUS: um obstáculo ao atendimento
Hoje, os municípios recebem R$ 50,50 por habitante/ano para custear a sua Atenção Básica.
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Luiz DuplatEm um certo dia da minha formação como médico de Saúde da Família, formação esta realizada em um pequeno município com povoados distantes da sede, sugeri ao prefeito que construísse um posto de saúde em um dos povoados, a 60 km da sede, pois as pessoas que lá residiam tinham dificuldade para se deslocar em busca de atendimento e serviços vacinação, dentista e preventivo.
Ele não pensou muito e me respondeu: “Doutor, construir e equipar o posto não é difícil, pois o deputado consegue a verba, mas vai virar um ‘elefante branco’, já que para funcionar não vou ter dinheiro para contratar médico, enfermeiro e técnica de enfermagem, dentista e a auxiliar do dentista, uma ou duas moças para a recepção, uma para limpar o posto, outra moça para tomar conta do posto, e ainda outra moça para entregar os remédios, um homem para ser o vigia e um motorista para levar e trazer o médico, a enfermeira e o dentista, pois eles não vão querer morar lá”.
Disse a ele: “É, prefeito, a equipe tem que ter estes profissionais”.
E ele acrescentou: “E tem mais, o médico vai pedir exames e terei que levar as pessoas para o município vizinho para realizar esses exames, pois o nosso laboratório é fraquinho, só faz sangue, fezes e urina. Depois terei que providenciar buscar os resultados para que o médico veja, aí ele encaminha para um outro médico especialista, que nem na região tem. Então terei que levar ele para o especialista, que vai pedir mais exames e passar remédios que o SUS não dá. Vou ter que comprar os remédios, que nem as farmácias daqui têm”.
Ponderei: “Prefeito, a medicina evolui todo dia, e os médicos precisam dos exames, e os pacientes gostam quando eles pedem”.
Ele completou: “E tem o dentista, que vai mandar as pessoas para extrair dente do siso, fazer canal e fazer dentadura. Tudo isso não faz aqui, vou ter que mandar para o município vizinho”.
Retruquei: “A saúde bucal das pessoas é importante”.
O prefeito ainda fez muitas indagações, como argumento para não aceitar minha sugestão: “E o aumento do consumo de material de curativo e luvas. E a alimentação das pessoas que trabalham no posto, vai ser como? Vão levar sua alimentação ou comer lá para a prefeitura pagar? E a energia elétrica? E a conta de água? E quando os profissionais começarem a pedir internet e computador? O sinal lá é ruim. Quase esqueci que também vai ter que ter o carro e o combustível. Para este posto funcionar, vou ter que cortar do social, da manutenção das estradas vicinais, da feira, do cemitério, cortar na coleta do lixo e em outros serviços”.
Tomava meu segundo cafezinho quando ele disse: “Melhor deixar como sempre foi, as pessoas sendo atendidas pelas benzedeiras, rezadeiras, comprando seus remédios no posto de medicamentos, que eles chamam de farmácia, e quando agrava, o vereador de lá traz no carro dele, pois ajudo com gasolina”.
E concluiu: “Doutor, vamos deixar isso para quando Brasília mandar mais dinheiro para a saúde, pois hoje o que manda não cobre nem um terço das despesas”.
Os gestores da saúde falam que “a saúde é um saco sem fundo”, para expressar a ideia de que os gastos com saúde parecem intermináveis e insustentáveis. O SUS enfrenta desafios financeiros constantes. Os recursos transferidos aos municípios pelo Ministério da Saúde não são suficientes para atender todas as necessidades de saúde da população, com demandas crescentes, que só aumentam por conta da falta de atividade física, da alimentação inadequada, do desemprego, da carência de espiritualidade e da agressão ao meio ambiente, que conta com orçamentos apertados, inclusive para fazer uso das inovações tecnológicas. Hoje, os municípios recebem R$ 50,50 por habitante/ano para custear a sua Atenção Básica. É evidente a necessidade de financiamento adequado para garantir às pessoas o direito fundamental à saúde, com atendimento integral de qualidade, mais holísticos e centrados no paciente, com promoção de práticas de saúde mais eficazes e humanizadas, pois dessa forma também se evita desperdício dos parcos recursos destinados para a saúde.
Luiz Duplat é médico e subsecretário da Saúde de Camaçari.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1
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