Opinião
A literatura para mentes imaginativas
O contato com a literatura nos obriga a construir pontes emocionais e racionais com aquela informação tão sólidas que elas se tornam reais e eternas na memória.
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Ayla CedrazExploro com afinco os privilégios de ler e escrever desde que os adquiri. Tenho consciência do quanto esse pano de fundo instrutivo vasto, oferecido por ambientes escolares e familiares favoráveis, foi definitivo para o modo como funciona minha mente hoje, e para como ela continuamente se desenvolve. Participar de rodas de discussões com os meus colegas, na época em que líamos Harry Potter, por exemplo, foi um dos grandes momentos da minha infância, entre os oito e os dez anos. Hoje penso no quanto isso é importante: alimentar ao máximo com referências o potencial imaginativo de uma criança é construir uma estrutura intelectual praticamente intransponível, irremovível, insuperável.
Naquela época, eu já sabia que nem todo mundo entendia bem o que é ler por prazer, e era natural que cada um tivesse seus interesses. Mas, nos primeiros anos do segundo ensino fundamental e ao entrar no ensino médio, fui desvendando uma realidade desagradável. Ao meu redor, quase que por unanimidade, ler e escrever eram consideradas atividades reservadas a obrigação do ambiente escolar. Pior: há quem tenha a infelicidade de vivenciar seu primeiro contato com a literatura sendo obrigado a compreender, digamos, Iracema, de José de Alencar (obra definitivamente a ser lida, mas preferencialmente mais à frente na vida). Longe de mim desmerecer José de Alencar; eu só não sei como o seu livro pode ser cotado como um estímulo ao gosto pela leitura. Estava explicado o motivo pelo qual ler era sinônimo de pesadelo para muita gente.
Um pouco depois, é claro, e mais tarde do que eu gostaria, fui compreendendo o contexto do país em que me encontro, e do porquê a educação, no sentido mais bonito e amplo da palavra, concretizada como parte natural na criação de uma criança, é privilégio reservado a poucos. Agora, aos dezoito, participando ativamente do desenvolvimento de uma criança de dois anos, preocupo-me com algumas coisas nesse sentido. Penso que, hoje em dia, é muito mais difícil alimentar o intelecto infantil, o que pode parecer contraditório com o fato de que vivemos na era da informação.
Certo dia, esbarrando com uma matéria no site do El País BR, intitulada “Nossa imaginação precisa da literatura mais do que nunca”, encontrei conteúdo quase que perfeitamente condizente com as minhas preocupações. Munida de tantas informações contidas no entretenimento audiovisual inevitável da televisão e do celular, por exemplo, por que e como sobraria espaço na cabeça de uma criança para fazer qualquer esforço imaginativo? É como se já estivesse tudo pronto. O contato com a literatura nos obriga a construir pontes emocionais e racionais com aquela informação tão sólidas que elas se tornam reais e eternas na memória. Ou seja, a cabeça é posta para funcionar, as engrenagens rodam, respondem. Acho que tenho alguma ideia do que é um adulto sem histórico imaginativo, e não é uma figura agradável. Cabe a mim desejar, e fazer ao máximo, para que menos pessoas cresçam sem ter a oportunidade de experimentar o mundo através do olhar de um leitor.
Ayla Cedraz estuda Letras Vernáculas e Inglês na Universidade Federal da Bahia. Escreve às segundas, a cada três semanas. jornalismo@destaque1.com
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