Opinião
Só o NÃO pode nos livrar da brutalidade da política, por Edson Miranda
Precisamos colocar a razão a serviço da inteligência.
Publicado
em
Por
Edson MirandaPrometi, a partir do artigo passado (sobre a potência do NÃO na atual conjuntura política e eleitoral no Brasil), tentar desenvolver uma abordagem que explicite melhor essa proposta e que, ao mesmo tempo, possa suscitar um debate mais amplo, fora das atuais caixinhas, e que envolva mais opções que temos à nossa disposição dentro do cardápio da Democracia e da Política, duas dimensões fundamentais para pensar e efetivar qualquer saída para nossas crises atuais.
Uma dessas opções, evidentemente, está na nossa capacidade de organizar, com a juventude e amplos setores da sociedade brasileira, um rico processo de debates, formulações e de educação política que tenha no NÃO o princípio gerador de uma nova ordem política, cultural, social e jurídica, que re(organize) os pilares republicanos, e, consequentemente, nosso convívio em sociedade e o que temos de mais sagrado, nossas vidas.
No decorrer da semana, recebi inúmeros feedbacks do texto, alguns concordando com disposições, inclusive, de engajamento, e outros com críticas ao NÃO. No meio destas, destaco o que seria sua natureza utópica, sua inviabilidade diante do pouco tempo para as eleições e também seu caráter antipolítico.
Quanto a essas críticas, gostaria de enfrentar um debate presencial, face a face, para tentar desenvolver melhor minhas respostas e também ouvir e submeter tal proposição a novos ambientes críticos. Para Sócrates, ler somente não era o bastante. Apenas com a devida e respeitosa aproximação, proporcionada pelo seu método do Diálogo, podemos alcançar algum aprendizado, alguma Sabedoria. Portanto, devemos falar, mas também, e naturalmente, ouvir. Em Platão, podemos retirar a compreensão de que “a palavra falada é superior à somente escrita”.
Por ora, afirmo que a organização do NÃO, antes de significar uma ação omissa e antipolítica, é exatamente o seu contrário: uma afirmação da Política com “P” maiúsculo; que organizar uma eleição de um candidato, na atual situação brasileira (e eu já participei da organização e da coordenação de várias candidaturas), é muito mais inviável do que organizar a campanha do NÃO; por último, nada há de utópico, pelo contrário, é bem terreno. Temos vários exemplos, inclusive na história recente. A atual via chilena é um exemplo de mobilização da população para melhor influir no processo político e eleitoral que se encontrava já em curso e determinado pelas elites políticas daquele país.
Caso insistamos em usar apenas a racionalidade, identificaremos inúmeros porquês e contras. Nesse caso, como em outros, precisamos colocar a razão a serviço da inteligência. Não podemos achar que a Razão é a própria Inteligência. Esta última é mais abrangente e abarca a primeira.
Dito isso, acredito que podemos começar imediatamente uma campanha do NÃO. Muitas campanhas começam assim, de boca em boca, debatendo nos grupos de comunicação familiares, nas redes, para quem tem algum tipo de ativismo, nos diretórios estudantis e centros acadêmicos, e, para quem já se identificou com essa proposta, pode começar alterando sua foto nesses perfis sociais, substituindo provisoriamente as fotos atuais por fotos do NÃO.
Nesse sentido, gostaria de reafirmar aqui que o grande desastre brasileiro, particularmente sua enorme desigualdade social, reside na baixa qualidade da nossa política e dos políticos. É nela que devemos intervir organizadamente, enquanto sociedade que quer garantir uma vida digna e justa para todos os brasileiros e estrangeiros que vivem nessa terra. E não podemos esperar pelos atuais políticos e pelo sistema político, eles sobrevivem de remendos na legislação, dos vícios institucionais e da corrupção generalizada. São cadáveres insepultos!
Só isso pode explicar nossas recorrentes tragédias cotidianas num país de grandes riquezas naturais e materiais, uma população honesta, trabalhadora, criativa e relativamente pequena para nossas dimensões territoriais. Somos apenas um pouco mais de 200 milhões de pessoas. Temos um grande potencial econômico, cultural, imaterial, capazes de, em poucas décadas, fazendo a coisa certa e retirando todo o lixo do sistema político, alcançarmos o status de uma respeitada Nação, capazes de contribuir com o Planeta, com o Mundo e a Vida na Terra.
No dia de ontem, com a decisão do STF no julgamento do deputado Daniel Silveira e a contra decisão do mesmo julgamento vinda da Presidência da República, nós tivemos mais um forte sinal do abismo para o qual estamos sendo conduzidos pelo ‘gangsterismo’ da política, dos políticos, pela fragilidade e pelo controle político-ideológico do nosso sistema de Justiça e das nossas instituições republicanas, pelos discursos de ódio e pelas “guerrinhas de atrito” praticadas entre os diversos grupelhos, facções e milícias que capturaram nosso sistema político atual.
No episódio de ontem, que certamente não será o último nem o mais grave, dá para perceber que perdemos completamente, e essa é uma grave e grande característica do Sistema Político Brasileiro, aquilo que os teóricos da Complexidade chamam de “padrão de criticabilidade auto-organizada”, presente em alguns sistemas. Criticabilidade é como a gota d’água que faz transbordar o copo. Uma pequena adição produz um efeito enorme. E, como afirmei no texto passado, a eleição ainda nem começou. Imaginem quando essa guerrinha começar para valer: corremos o risco de virarmos uma Venezuela, uma Rússia, uma Ucrânia.
É isso que vamos esperar acontecer com “a boca escancarada e cheia de dentes”?
Ficou mais claro ontem que, tanto Bolsonaro quanto o STF, e de sobra o Poder Legislativo (muito mais o primeiro que vinha amargando derrotas nesse sentido), passaram a trabalhar novamente numa perspectiva de ” aversão à perda”, uma categoria da teoria dos jogos e da guerra de atritos, algo que o bunker bolsonarista deve entender de cor e salteado. É coisa do tipo: continuamos a lutar por nossos homens perdidos. Segundo a psicologia, essa aversão à perda, falácia do custo perdido ou gastar vela com defunto, é irracional, sem dúvida, mas é surpreendentemente frequente nos processos de tomada de decisão dos seres humanos.
Poderia citar outros exemplos e categorias da “guerra de atritos”, que atualmente se desenvolve com mais gravidade na política brasileira e que foi um forte sinal da deterioração posterior que acometeu outros países, levando-os à bancarrota econômica, ao sofrimento e à morte. Contudo, esse texto já foi alongado demais. No próximo, prometo retomar a questão.
Vamos em frente. Com o pensamento altivo e emoção sutil. Abraços.
Edson Miranda Borges é jornalista e mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
Leia Também
-
Após 18 anos, primeiro caso de cólera autóctone é registrado no Brasil; paciente é de Salvador
-
‘Cometa do Diabo’ ficará visível no Brasil neste domingo; veja horário
-
Dilson Magalhães Jr. incentiva participação popular na revisão da Lei Orgânica do Município
-
Projeto de lei que atualiza carreira de professores indígenas é entregue por Jerônimo na Alba
-
Bolsa Família: Caixa paga beneficiários com NIS de final 2 nesta quinta
-
“Dar uma casa para minha mãe”, afirma Davi após ganhar o BBB24