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Professora de Camaçari é finalista de prêmio nacional com projeto de educação antirracista
Vitalina Silva ministra a disciplina de Língua Portuguesa no Maria Quitéria.
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Mirelle LimaPreparar a nova geração para combater o racismo na sociedade. Foi com esse objetivo que a educadora Vitalina Silva iniciou um projeto pioneiro de educação antirracista em Camaçari.
Professora de Língua Portuguesa do Centro Educacional Maria Quitéria há cinco anos, ela idealizou ações que culminaram em uma indicação para um prêmio nacional que reconhece práticas inovadoras na educação brasileira.
O Prêmio do Movimento LED – Luz na Educação possui as categorias “Estudantes”, “Educadores” e “Empreendedores, Criadores e Organizações Inovadoras”. A premiação será de R$ 1,2 milhão, dividido entre seis vencedores.
Vitalina está entre os 15 finalistas, e é a única representante da Bahia na categoria “Educadores”. Com apoio da coordenadora Telma Barreto e da diretora Iara Bispo, ela utilizou diversas ferramentas para discutir maneiras de combater a desigualdade racial com os alunos do ensino fundamental II. As atividades vão desde a decoração das salas até palestras.
No Maria Quitéria, as pautas raciais estão presentes diariamente no cotidiano dos alunos, e não somente em datas específicas, como o Dia da Consciência Negra. O debate ocorre através de história em quadrinhos, desfile de moda, apresentações musicais, poesia, dança, confecção de peças artesanais, entre outras atividades.
O projeto teve início ainda durante as aulas remotas, por conta da pandemia da Covid-19, com atividades relacionadas a questões afro-indígenas. Percebendo o interesse dos alunos pela temática, Vitalina decidiu ampliar a discussão sobre antirracismo em suas aulas.
“Percebi que havia uma adesão muito forte dos estudantes, eles gostavam muito dessa pauta e conseguiram compreender a importância de trabalhar sobre essas questões, porque o racismo permeia a sociedade em todos os ambientes”, conta.
No Brasil, a Lei nº 11.645, torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira no ensino fundamental e médio, mas em alguns casos, essa abordagem ocorre de forma superficial.
Com a retomada das aulas presenciais, Vitalina seguiu com o projeto de educação antirracista durante as aulas de Língua Portuguesa. O livro “Olhos d’Água”, da autora Conceição Evaristo, foi um dos pilares para provocar um olhar crítico dos alunos sobre o impacto do racismo na sociedade brasileira.
“Eu decidi junto com a coordenadora, junto com a direção da escola, que era necessário fazer algo a mais, avançar mais a ação, não apenas atender a lei, mas formar mesmo um exército de pessoas na escola que tivesse condição de enfrentar o racismo, que tivesse condições de compreender o que é o racismo, de compreender o que é o preconceito, o dano que isso causa, para a sociedade, para as relações, para a convivência”, explica.
A semente foi plantada, e Vitalina viu crescer um fruto lindo em seus alunos. Através da apresentação de diversas personalidades negras que atuam em várias áreas, como Emicida, Maju Coutinho, Lázaro Ramos e Glória Maria, foi possível perceber o aumento na autoestima dos estudantes.
“Nós decidimos fazer um trabalho de ressignificação dos livros didáticos, trazendo personalidades do passado e também personalidades atuais que estão nessa luta diária, para que eles tivessem como representatividade de pessoas de sucesso, de pessoas que fazem a diferença, e a partir dessa representatividade também conseguir compreender que eles são potentes, que eles são inteligentes, que eles são conhecedores da história e que vão se tornar pessoas melhores tendo posicionamento antirracista, porque a gente sabe que na sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, ressalta.
Entre as ações realizadas durante o ano letivo, o projeto proporcionou a interação dos alunos com personalidades da região, como os indígenas tupinambás de Vila de Abrantes, e a doutora em Química Barbara Carine, responsável por fundar a primeira escola afro-brasileira do Brasil, localizada em Salvador.
Para Vitalina, é essencial apresentar a narrativa de outro ponto de vista, além do livro didático.
Ouça:
“A gente quer dizer aos nossos estudantes que eles podem tudo o que eles quiserem, e que eles precisam construir algumas ferramentas para fazer isso, e uma das ferramentas que a gente acha importante é o conhecimento da história, conhecer o passado para ter condições de enfrentar o futuro. Compreender que nós somos herdeiros de reis e rainhas, nós não somos herdeiros de escravos. Nós tivemos pessoas escravizadas, mas a nossa herança vem de um povo que tem uma cultura forte, que tem uma história forte, uma filosofia forte, que foi o primeiro na medicina, foi primeiro na matemática, e foram esses os argumentos que nós trouxemos para eles”, pontua Vitalina.
Em 2022, o projeto ocorreu de maneira experimental, em parceria com alguns outros professores, como a também professora de Língua Portuguesa Thelma Oliveira. Este ano, o objetivo é englobar toda a escola.
O resultado do projeto foi notório desde a estética, com as alunas que passaram a ir para a escola com o cabelo natural, ao comportamento, com a mudança daqueles estudantes que eram mais introspectivos. “A gente faz a mudança na escola, mas pretende que essa mudança se leve para outras instâncias”, frisa Vitalina.
Ouça:
Após compreender o impacto do projeto no cotidiano dos alunos, Vitalina sentiu a necessidade de compartilhar o resultado. E com uma inscrição feita no último dia do prazo para o Prêmio LED, a educadora não imaginava que estaria entre as finalistas.
Assista:
Vitalina ressalta que o papel da educação é oferecer ferramentas para combater as diversas problemáticas da sociedade.
“Eu tenho filhos negros que sofrem o mesmo racismo que meus estudantes sofrem. Então, como educadora, eu precisava ter uma atitude, e posso dizer para você que eu não comecei a minha vida escolar tratando desse tema, porque eu também não tinha consciência. Então foi ao longo do processo que isso me atravessou de sobremaneira que eu disse ‘eu não posso ser a mesma professora’, porque você só pode enfrentar aquilo que você conhece”, explica.
Assista:
“O prêmio é importante para nos dizer de fora para dentro que a gente está fazendo um trabalho no caminho certo, porque a gente não tem esse olhar dentro da Secretaria da Educação do município, a gente ainda não tem essa orientação para fazer um trabalho pautado nas questões étnico-raciais, isso não é do currículo do município. Mas então a escola entendeu que não podia ficar aguardando alguma orientação, porque aqui a gente tem mais de 70% da composição de estudantes, professores e funcionários, pessoas pretas, então a gente não pode deixar de falar sobre isso aqui”, frisa Vitalina.
A aluna Ariadne Silva, 15 anos, foi uma das participantes do projeto e explica o impacto causado em sua vivência como estudante.
“A gente se sentiu muito importante, fazendo parte de uma coisa muito enorme. A gente está mudando a nossa realidade, descobrindo coisas novas, mudando muitos pensamentos errados que a gente tinha. Quando a professora trouxe o projeto pra gente, algumas pessoas não se entusiasmaram, e vendo que era algo muito interessante, era algo inovador mesmo, todo mundo ficou muito empolgado e logo quis participar”, relata.
O Centro Educacional Maria Quitéria se consagra como a primeira escola de Camaçari a ter como base a educação antirracista.
O resultado do Prêmio LED será divulgado em abril.
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