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Opinião

Políticos gostam do voto do povão, mas menosprezam a Cultura Popular, por Edson Miranda

Ganhar eleições no nosso país, seja de que jeito for, principalmente na base da mentira, do cinismo e da hipocrisia, virou o único fundamento.

Edson Miranda

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Políticos gostam do voto do povão, mas menosprezam a Cultura Popular, por Edson Miranda
Foto: Hyago Cerqueira/Destaque1

No Brasil são as camadas mais pobres e exploradas da população que garantem vitórias para este ou aquele candidato, por isso, o marketing e estratégias eleitorais são direcionadas, sobretudo, para essa imensa massa de eleitores existentes em tais segmentos.

Por outro lado, como se trata de eleitores com dificuldades de acesso a informações que possam melhor embasar suas escolhas, devido o tipo de labuta sofrida que enfrentam para conseguir sobreviver, o marketing político lhes reserva, quase sempre, mensagens com conteúdos emocionais: confiar nas promessas direcionadas para um futuro fabuloso, ter esperança na “boa fé” do candidato, nutrir medos pelos candidatos oponentes e assim vai. Enquanto isso, de concreto mesmo, martelar na cabeça desse eleitor, algumas migalhas já atiradas nos períodos de governos de candidatos que já experimentaram governar.

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Alguns podem até achar que estou exagerando. A meu favor, digo que se assim não fosse, não teríamos mais tantos pobres e miseráveis nesse rico país.

Quem assistiu as entrevistas de candidatos no Jornal Nacional, da Rede Globo, e no debate promovido pelo pool de veículos de comunicação, encabeçado pela TV Bandeirantes, percebeu que tanto em um quanto em outro, pouco se tratou dos problemas reais do Brasil, o que fazer e como fazer para eliminá-los ou mitigá-los. Principalmente os dois candidatos à frente nas pesquisas, passaram ao largo de muitos desses problemas. E, não adianta jogar a culpa apenas no formato. Experimentamos uma cultura política e partidária que morre de medo de tratar dos problemas mais espinhosos.

Os grandes partidos no Brasil viraram única e exclusivamente máquinas de ganhar eleições, pois, a vitória eleitoral lhes abre um mundo de benesses e privilégios, a começar pelos bilionários fundos partidário e eleitoral, fora os contratos, negócios e negociatas. Ganhar eleições no nosso país, seja de que jeito for, principalmente na base da mentira, do cinismo e da hipocrisia, virou o único fundamento. O Brasil, seu povo, seus problemas, podem esperar para depois. Afinal, não foi sempre assim? O que justifica nossos maiores flagelos, a exemplo da fome que ainda atinge milhões de brasileiros?

Na minha modesta compreensão, não ter ouvido a expressão “Cultura Popular” em nenhuma das duas oportunidades que suas excelências tiveram para se dirigirem aos donos das maiores fatias de votos, é bastante sintomático e nos diz muito sobre o apreço que têm pelo voto e não pelos detentores desses votos.

Nesse sentido, penso que esses detentores dos votos e da Cultura Popular não devam esperar muito dos próximos governantes, pois sequer sabem ou se sabem não ressaltaram, o quanto essa Cultura pode revolucionar nossas práticas e nossas vidas, num mundo produtivista que, nessa quadra da história humana, volta a assumir uma face bastante cruel. O quanto, também, ela pode dinamizar nossa combalida economia, assim como outros setores bastante exaltados nas entrevistas e no debate: “o agro”, “o industrial”, “o financeiro”…

O Brasil se aproveita muito desse softpower, que reside na cultura do seu povo, para vender sua imagem internacional, porém cuida muito pouco dessa cultura e dos seus detentores. Nossa política pública de preservação do Patrimônio Imaterial já começou tarde, data de 4 de agosto de 2000, no governo FHC, outros países da própria América Latina instituíram suas políticas muito antes desse período, alguns inclusive nas primeiras décadas do Século XX.

Esse retardo contraria muito do desejo e das sugestões de Mário de Andrade que vivenciou a criação do IPHAN, junto com Rodrigo Melo Franco de Andrade, e fez muitos estudos, registros e identificações de manifestações populares nas suas famosas viagens exploratórias pelo território brasileiro. Assim, também, temos ciência de que essa vasta contribuição dormiu por longos anos nos escaninhos do poder.

Dessa forma, nossa Cultura Popular e seus detentores até hoje continuam na mesma situação de precariedade, identificada há décadas pelo antropólogo argentino, Néstor Canclini, um grande pesquisador mundial dessa cultura. Ele afirma, a precariedade tem sido a principal característica das culturas populares em boa parte do planeta.

No nosso caso brasileiro, devemos atribuir a essa “ação” retardatária e sua permanente condição de precariedade ao quê? Mesmo depois de mais de duas décadas de institucionalização da política de patrimonialização de muitos bens culturais, não vejo outra resposta que não seja, o racismo que estrutura a sociedade brasileira, o olhar discriminatório, segregacionista, principalmente das nossas elites políticas a tudo que se origina e vem dos de baixo da pirâmide social.

O voto é bem-vindo, sua cultura não! Ela pode confundir, embaralhar, a visão positivista, de ordem e de progresso, que tais elites sempre impuseram no país.

Por outro lado, esse povo sempre soube que além de não querer ser escravizado, também não quer viver de migalhas. Ele tem consciência que pode viver muito bem dos seus saberes, da sua rica cultura e que, essa mesma cultura quando for valorizada, olhada com outros olhos, de fato inserida numa economia dinâmica e criativa, ela também colaborará e muito com o Brasil e toda sua gente. Eles sabem que uma nova visão de Nação diversa, solidária, justa, inclusiva, não pode prescindir da cultura popular.

Infelizmente, diante de tanto silêncio, falta de interesse, propostas concretas, das nossas elites políticas, percebemos as mesmas crenças atávicas, que muitas vezes são reproduzidas no seio das próprias famílias populares, de que Capoeira, Samba de Roda, Forró, Ofício de Baianas do Acarajé e tantas outras importantes manifestações da nossa cultura popular, são coisas de pobre, de gente preguiçosa e improdutiva; e que só servem para ornamentar comícios e caminhadas de políticos quando buscam votos.

Triste Brasil, onde a Cultura Popular continua definhando, onde mestres e mestras de importantes saberes e fazeres continuam morrendo à mingua, impossibilitados de comunicarem e, o pior, transmitirem sua rica cultura para as atuais e futuras gerações de brasileiros. Tristes candidatos e candidatas que passam silenciosos, que ignoram tanta riqueza, eleição após eleição, governo após governo.

Por isso, quando questionados, muitas vezes colocam toda a culpa nas novas tecnologias, como é praxe nos mais míopes e fanáticos. Evidente que essas novas tecnologias carregam a uniformização na sua natureza, porém não é verdade que ela acaba com toda a tradição e com outras capacidades. Seu mau uso pode, sim, acabar com muitas tradições, seu bom uso, pode inclusive, resgatar muitas tradições que dávamos como perdidas. É a política estúpido!

Para Frederico Mayor, diretor geral da Unesco de 1987 a 1999, que desenvolveu o programa “Cultura de Paz” durante seu mandato, a criatividade tecnológica permitiu atingir uma certa perfeição e é também uma forma de saber. Por isso, nossos dois pilares, a alta tecnologia e a alta sensibilidade humana, devem caminhar juntos, dialogando. Segundo ele, “no futuro, esta alta sensibilidade humana será tão essencial quanto a alta tecnologia”. Talvez ele não soubesse que esse futuro iria chegar tão rápido. É agora e aqui!

Para fundamentar essa sua tese e para nos mostrar como ambos os pilares caminham imbricados, Mayor, afirma que “esta tecnologia, o sumo do saber humano, pôde ser criada porque existia uma capacidade de descoberta e de invenção”.

A Cultura Popular deve ser alvo do mais alto apreço da política, não só pelo seu potencial econômico, pela sua capacidade de retirar amplas massas de brasileiros da pobreza e da miséria, deixar de receber esmolas, e passar a se sustentar e à sua família através da sua arte, mas pela sua capacidade de contaminar com bons fluidos esse mundo produtivista, essa atual máquina de triturar corpos.

Ela pode se notabilizar por sua função social e natureza originais: diminuir o sofrimento dos corpos e prepará-lo para a faina, a jornada exaustiva do dia seguinte, já que não podiam parar de imediato a exploração e o sofrimento, organizar a comunidade para esses imensos desafios de outrora, espargir alegria, haja vista que só ela garantiria a vida num ambiente de castigos, sofrimentos e morte.

Atualmente, continuamos com muitos desafios, alguns ainda maiores, estamos submetidos a uma grande exploração; nossos corpos continuam triturados pela faina do dia a dia; pelo estresse, causado pela necessidade de cuidar de nossas famílias, nossos filhos; por desafiar a morte todos os dias, tentando escapar da violência urbana, dos atuais e extremos fenômenos climáticos, das pandemias, dos acidentes de trânsito, das doenças advindas com a destruição da natureza e às ocupacionais, advindas do fato de nossos corpos enfrentarem jornadas desumanas de 12, 14 horas diárias em cima de carros, motos, bicicletas, que deixaram de ser objetos de prazer, diversão, brincadeiras e passaram a ser engenhocas de sobrevivência.

Sim, nunca precisamos tanto da Cultura Popular, das suas brincadeiras, da sua Alegria como afirmação da Vida.

Sei que talvez seja pedir demais, mas, senhores e senhoras, candidatos e candidatas, na próxima oportunidade tentem expor como farão para valorizar essa nossa rica e desprezada Cultura Popular.

O Povo brasileiro agradece!

Políticos gostam do voto do povão, mas menosprezam a Cultura Popular, por Edson Miranda

Edson Miranda Borges é jornalista e mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas.

*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.

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