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O historiador e a escrita da história
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Edvaldo Jr.Michael De Certeau estabelece um lugar de fala defendendo onde esse lugar vai dizer sobre a produção e vai de alguma forma lhe deixar marcas. Estabelecendo dessa forma que ligar as “ideias” aos lugares é ofício do historiador.
A operação histórica se refere a combinação de um lugar social, de práticas “científicas” e de uma escrita. Essa escrita se constrói em função de uma instituição cuja organização parece inverter: com efeito, obedece as regras próprias que exigem ser examinadas por elas.
Toda produção historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural, ela está submetida a imposição, ligada a privilégios e enraizada em uma particularidade. É em função desse lugar que se instaura os métodos que se delineia uma topografia de interesse, que os documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam.
Vencida as perspectivas positivistas da história da ideia de uma verdade, abre-se espaço para o tempo da desconfiança, mostrando que toda interpretação histórica depende de um sistema de referência, que este sistema permanece a uma “filosofia” implícita e particular que infiltrando-se no trabalho de análise, organizando a sua revelia remete à “subjetividade” do autor.
Entre muitos outros, estes traços remetem o “estatuto de uma ciência” a uma situação social que é o seu não-dito. É, pois impossível analisar o discurso histórico independente da instituição em função do qual ela se organiza silenciosamente; ou sonhar com uma renovação da disciplina, assegurada pela única e exclusiva modificação de seus conceitos sem que intervenham uma transformação das situações assentadas.
Uma situação social muda ao mesmo tempo o modo de trabalho e tipo de discurso. Isto é um “bem” ou um “mal”, antes de mais nada é um fato que se detecta por toda parte, mesmo onde é silenciado.
Antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como ela funciona dentro dela. Esta instituição se inscreve num complexo que lhe permite apenas um tipo de produção e lhe proíbe outros. Tal é a dupla função do lugar. Ele torna possível certas pesquisas em função de conjunturas e problemáticas comuns. Mas torna outras impossíveis, excluindo do discurso aquilo que é sua condição no momento dado; representa um papel de uma censura com relação ao postulados presentes (sociais, econômicos e políticos) na análise.
De toda maneira a pesquisa está circunscrita em um lugar, pelo lugar que define uma conexão do possível e do impossível. Encarando apenas como um “dizer” acabar-se-ia por introduzir uma história de lenda, quer dizer, a substituição de um não-lugar ou de um lugar imaginário pela articulação do discurso como um lugar social.
A articulação da história com o lugar é a condição de análise de sociedade. Levar a sério seu lugar não é explicar a história, mas é a condição para que alguma coisa possa ser dita sem ser nem legendaria (ou “edificante”), nem a-tópica (sem pertinência). Sendo denegação da particularidade do lugar o próprio princípio do discurso ideológico, ela exclui toda teoria. Bem mais do que isso, instalando o discurso em um não lugar proíbe a história de falar da sociedade e da morte, quer dizer proíbe-la de ser história.
A história não começaria senão com a “nobre palavra” da interpretação. Se é verdade que a organização da história é relativa a um lugar e a um tempo, isto ocorre, inicialmente, por causa de sua técnica de produção.
O estabelecimento das fontes solicita, também, hoje um gesto fundador, representado, como ontem pela combinação de um lugar e de técnicas.
Não se trata apenas de fazer falar estes “imensos setores adormecidos da documentação” e dar voz a um silêncio, ou efetividade a um possível. Significa transformar alguma coisa, que tinha sua posição e seu papel, em alguma outra coisa que funciona diferente.
Os limites propostos não definem um campo de objetivo próprio. Um trabalho é “científico” quando opera uma redistribuição do espaço e consiste, primordialmente em se dar um lugar, pelo estabelecimento das fontes – quer dizer, por uma ação instaurada por técnicas transformadoras.
Atualmente o conhecimento histórico é julgado por sua capacidade de medir exatamente os desvios – não apenas quantitativos (curvas de população, de salário ou de publicações), mas qualitativos (diferenças estruturais) – com relação as construções formais presentes.
Não é “histórico” senão quando articulado com um lugar social da operação científica e quando institucional e tecnicamente ligado a uma prática do desvio, com a relação aos modelos culturais ou teóricos contemporâneos. Não existe relato histórico no qual não esteja explicitado a relação com um corpo social e com uma instituição do saber.
De fato, a escrita da história permanece controlada pelas práticas das quais resultam; bem mais do que isto, ela própria a uma prática social que confere a seu leitor um lugar bem determinado redistribuindo o espaço das referências simbólicas e impondo, assim, uma “lição”, ela é didática e magisterial.
“O objeto de estudo da História é, por natureza, o Homem. (Marc Bloch)
Uma homenagem a todos os historiadores do mundo pela passagem de seu dia.
Edvaldo Jr., historiador, pós-graduando em Direito Público Municipal, professor e palestrante. Escreve as terças a cada duas semanas.
jornalismo@destaque1.com
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