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Memórias do meu tempo, por Luiz Roberto Sobral – Sibié
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Corria o ano de 1972, quando o então prefeito de Camaçari, José Vitorino, celebra convênio técnico com o Governo do Estado, através do Iuram, visando a elaboração de estudo de viabilidade para definição da micro localização do que seria o provável polo petroquímico do Nordeste.
Na época, estudante do curso de arquitetura da UFBA, fui selecionado para compor a equipe de trabalho que teve como encargo estudar a estrutura da pequena cidade de Camaçari e seu perímetro urbano imediato.
Os trabalhos foram intensos e exaustivos, culminando, ao cabo de um semestre de idas e vindas entre Salvador e Camaçari, com um relatório conclusivo contendo o máximo de dados e informações reunidas a partir de levantamento bibliográfico e cartográfico, pesquisas de campo, entrevistas e tudo mais que pôde ser coletado e sistematizado com os limitados recursos disponíveis. Este documento levou o título de “Diagnóstico Preliminar para a Implantação do Polo petroquímico do Nordeste”.
O entusiasmo pelo trabalho contagiava a todos, desde o Prefeito e seu diminuto staff administrativo, agitando a classe política local e também a equipe de realização do trabalho.
O vislumbre causado pela possibilidade de sediar um complexo industrial de grande porte no município era algo imensurável, ainda mais levando em conta as características e o perfil do município, cujo grau de urbanização era muito baixo e sem dispor de atividades geradoras de produtos, renda e empregos.
Ao longo da realização das tarefas concernentes aos trabalhos como um todo, participávamos de inúmeras reuniões e oficinas coletivas no espaço disponibilizado pela Prefeitura, situado no mesmo prédio onde despachava o Prefeito em seu gabinete.
Tratava-se de uma edificação singela, um pouco maior que as demais vizinhas na mesma quadra, diferenciando-se apenas por sua escada de acesso e três mastros onde hasteavam-se bandeiras, o que lhe conferia certa imponência e garbo. Na verdade e ao seu modo, representava a austeridade da presença do poder executivo naquele ambiente.
Precisamente aquele lugar, aquela atmosfera, abrigou o começo de uma nova era para Camaçari, tanto do ponto de vista das mudanças na economia, na política, da forma de governo, na estruturação dos espaços, nos hábitos e costumes sociais, na sua virtual grandeza que se aproximava. Seria a conversão da face simplória até então vigente, para um futuro promissor a ser compartilhado pelas novas gerações.
O ano de 1975 marcou um novo momento da minha presença e ligação com a cidade, agora como profissional arquiteto contratado pela Prefeitura. Foi o ciclo do município como área de segurança nacional, sendo o prefeito indicado e nomeado indiretamente pelo governo federal e tendo sido o município escolhido como sede do polo petroquímico.
Até o início da década de 1980, o paço municipal que abrigava o Prefeito e assessores mais diretos, permanecia no mesmo prédio do passado, diferindo apenas na movimentação de pessoas, escassez de espaços para as atividades de gabinete e falta de infraestrutura adequada para suportar tantas demandas.
Incontáveis as vezes em que se promoviam naquele espaço encontros, reuniões, oficinas de trabalho, as vezes com a participação do Prefeito e tecnocratas do setor público, um mundo novo e desafiador para todos.
A pequena sede da Prefeitura, cenário e, ao mesmo tempo, testemunha de tantos encontros e desencontros, decisões, divergências e convergências, fatos marcantes e presenças ilustres, foi transferida de local, porém mantida na sua simplicidade e postura altiva, símbolo de um passado recente e acometida por um descaso decorrente da transformação vertiginosa que se avizinhava. Mesmo mantida precariamente ao longo dos governos seguintes, sua estrutura física esteve ali marcando o tempo e servindo de referência no centro da cidade.
O tempo, senhor absoluto da razão e inexorável por não voltar atrás e se permitir refazer, caminhou a passos largos e o pedaço de chão onde postavam-se as edificações da antiga Prefeitura, o Cinema, a antiga Câmara de Vereadores, a Estação Ferroviária e as poucas que ainda restaram com as características da antiga cidade, passaram ao largo da percepção e sensibilidade dos governantes.
Num domingo desalmado, subitamente, o centro da cidade amanheceu diferente, por ato institucional inclemente!
O prédio da antiga Prefeitura, de presença tão marcante no espaço urbano e na memória das pessoas, sucumbiu aos caprichos de uma suposta e inconsequente “modernidade” insana e desequilibrada. Foi sumariamente demolido pelo atual Governo Municipal, não restando pedra sobre pedra!
Sem a audiência da sociedade, dos conselhos constituídos, do Legislativo Municipal, principalmente sem medir as consequências do ato intolerável e inculto, lá se foram parte da nossa memória afetiva e das lembranças do passado.
A perda provocada pela demolição daquela edificação não foi apenas decorrente do objeto concreto em si, muito mais que isso, a perda do componente de patrimônio imaterial nele contido, violentado para sempre na mente de quem conhece, ama e cuida de Camaçari!
Um minuto de silêncio, por favor!
Camaçari, 12 de junho de 2019.
Luiz Roberto Sobral – Sibié, arquiteto.
jornalismo@destaque1.com
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José Carlos Simões
15 de junho de 2019 at 18:09
Esse é o mesmo comportamento para com aqueles que ajudaram Camaçari crescer e se transformar na cidade de hoje, os antigos servidores.