“O cacau vai cair”. Essa é uma expressão muito utilizada na Bahia para chamar a atenção para fortes chuvas. É um alerta principalmente para que comunidades periféricas e pessoas em situação de vulnerabilidade social possam se resguardar. Os riscos envolvem deslizamentos, municípios e bairros inundados, bocas de lobo entupidas e famílias desabrigadas, muitas delas negras e de comunidades quilombolas isoladas.
Esses são alguns dos agravos causados por questões ambientais somadas à falta de ações dos poderes públicos nas áreas de saneamento básico, esgotamento sanitário, iluminação, calçamento e outras necessidades importantes para comunidades periféricas, grande parte delas ocupadas por pessoas pretas. É o chamado racismo ambiental.
Agora, imagina morar em um país atingido por um fenômeno meteorológico de grande proporção, capaz de isolar totalmente comunidades, abandonadas por dias pelo poder público. Esse é o tema do espetáculo “FURACÃO”, baseado na obra homônima do francês Laurent Gaudé e dirigido por Ana Teixeira e Stephane Brodt, em curta temporada no Teatro Sesc-Senac Pelourinho [veja ingressos aqui], que ocorrerá de 27 a 29 de março, com sessões de quinta a sábado, às 19h, e na sexta-feira, com sessão extra às 15h.
Katrina – 20 anos
“Furacão” apresenta Joséphine Linc Steelson, “uma velha negra de quase 100 anos”, moradora de Nova Orleans, que enfrenta sozinha a fúria do Katrina, furacão que há 20 anos devastou o sul dos Estados Unidos. Uma mulher marcada pela segregação racial cuja voz ecoa como um grito na cidade inundada e abandonada à própria sorte.
A obra reflete sobre questões climáticas, racismo ambiental e retorno à ancestralidade, alcançando questões éticas complexas: para aqueles que não se lembram, antes do Katrina atingir os EUA, os moradores dos bairros ricos de Nova Orleans, ocupados principalmente por pessoas brancas, foram desocupados, enquanto os bairros periféricos e a comunidade preta ficaram largados à própria sorte.
No espetáculo, teatro e música compõem um ato único. A riquíssima cultura musical negra estadunidense (em particular, o blues) é a referência para a criação de uma linguagem cênica híbrida, entre o teatro e a música.
Josephine é uma espécie de griô norte-americana, alertando para a situação dos excluídos diante das catástrofes climáticas que devastam o planeta. O espetáculo segue a trajetória dessa mulher cuja história poderia ser também a história de tantas outras mulheres brasileiras.
No elenco de “FURACÃO” estão as atrizes Sirlea Aleixo, a atriz e cantora Taty Aleixo, mãe e filha na vida real, e os músicos Anderson Ribeiro e Rudá Brauns. Sirleia integrou o processo formativo que abriu o projeto “Trilogia da África”, do Amok Teatro, que abrange, além de “FURACÃO”, as obras “Salina – A última vértebra” (2015) e “Os cadernos de Kindzu” (2016).
Ocupação Ancestral
Crítico e político, “Furacão” estreou em agosto de 2023 no Rio de Janeiro. Inédita em Salvador, a peça da premiada companhia carioca, além das sessões no Teatro Sesc-Senac Pelourinho, será apresentada gratuitamente em dois Quilombos. Alto do Tororó e Dandá, sessões que receberão também os quilombos São Thomé e Tubarão, e Macacos e Pitanga dos Palmares, respectivamente.
O espetáculo fala sobre a resistência de um povo que chegou forçosamente em terras americanas. A ambientação cênica é inspirada no Preservation Hall, espaço de resistência e preservação da música e cultura de Nova Orleans, considerado um “templo do jazz”. A música desempenha em “FURACÃO” um papel central.
Oficinas
Além das apresentações de “FURACÃO”, o projeto promoverá uma oficina gratuita voltada a profissionais, estudantes e coletivos teatrais, destacando a importância do intercâmbio artístico e ações educativas. Em Salvador, a oficina “Treinamento-Improvisação” será ministrada pela diretora Ana Teixeira, nos dias 28 e 29 de março, dentro das dependências da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Etufba), integrando a Semana Pedagógica da Instituição. As inscrições podem ser feitas através de formulário disponível no perfil @amokteatrorj.
Espaços ancestrais da cultura negra brasileira, os quilombos Alto de Tororó e do Dandá receberão a oficina “Olelê – Brincando Bantu”, ministrada pelo músico, pesquisador e arte-educador Fábio Mukanya. Através da transmissão oral, crianças, jovens e adolescentes aprenderão brincadeiras tradicionais dos povos de Angola, Moçambique e Congo, além de criarem brinquedos como o pião de cabaça, bonecos de manipulação e instrumentos musicais.