Opinião
Decifra-me ou te devoro!!!!
Vivemos um despertar virtuoso em relação ao Poder e sua principal manifestação institucional, a Política e os Governos.
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Edson MirandaO espírito que emergiu em 2013 volta a rondar as ruas brasileiras com a força daquele período ou, a depender de sua evolução, até com uma força muito maior. Os próximos dias nos dirão o tamanho desse espectro ou, numa visão hegeliana mais abrangente, desse possível colosso.
Vivemos tempos difíceis e enigmáticos. Precisaremos cada vez mais, daqui para frente, pensar e agir com a sabedoria de um Édipo diante das esfinges mundiais que afloram o tempo todo nas nossas Tebas atuais. No nosso caso, para ser mais claro, já somos vítimas das mais variadas formas de estrangulamentos diante da nossa incapacidade atual para decifrar os diversos desafios apresentados pela Esfinge Brasileira, como ocorre no mito grego.
Acredito, inicialmente, que devemos nos afastar das estruturas mentais, ainda bastante fossilizadas, ou fazê-las dialogar com novas maneiras de pensar, interpretar e compreender realidades, surgidas no transcorrer dos últimos séculos. Para isso, e se não quisermos cair no mais pueril negacionismo, precisamos começar a tratar ideologia como ideologia e ciência como ciência.
Assim, creio que as atuais manifestações populares, pós-eleições, não devem ser lidas apenas a partir das velhas categorias de Direita e Esquerda, conservador e progressista, fascista e comunista, conforme categorias por nós conhecidas e, muitas dessas, instituídas no século XVIII e já em franca e vital necessidade de atualização no XXI. Sobrevivem como fósseis, vulgatas descontextualizadas, ainda nas cabeças das minorias que historicamente se organizam para disputa e controle do Poder: indivíduos, abastados economicamente ou não, e mais engajados na política tradicional, também os mais próximos de alguns círculos intelectuais e acadêmicos. Muitos destes, inclusive, por excesso de racionalismo, perderam completamente a capacidade de auscultar os sentimentos que brotam e ajudam a plasmar essas novas e complexas realidades, esses espíritos dos tempos, diga-se de passagem, algo natural em muitos academicismos, cujas abstrações estão, quase sempre, cegas ou distanciadas desses sentimentos populares.
São os mesmos sentimentos de 2013: indignação com grandes desigualdades; medo da violência desenfreada; desamparo pela falta de serviços públicos básicos com qualidade; frustração, ódio, raiva, desencanto por tanto trabalho e impostos para manter um sistema disfuncional, em que as elites políticas, culturais, econômicas e judiciais, principalmente, se lambuzam e refestelam na exploração, no roubo e na corrupção mais descarada, mostrando total desprezo, falta de empatia e compaixão com o sofrimento e a morte que assola grande parte dos lares brasileiros.
Esses sentimentos só fizeram crescer e se avolumar de 2013 até os nossos dias, pois as iniquidades patrocinadas pelo sistema político também cresceram de lá para cá. Para tais sentimentos, que antes emergiam dispersos, agora existe uma tentativa de organizá-los a partir de uma nova consciência política que tende a se materializar num novo patamar histórico, pois os últimos movimentos do sistema político e judicial, particularmente, mostraram para essa enorme massa de indivíduos sua natureza de cadáver insepulto, de completo apodrecimento. Uma república de araque, uma corja de fidalgos, uma panelinha de bandoleiros privilegiados, uma camarilha de assaltantes do Orçamento Público, é o que és. Esse ser abjeto de repente ganhou forma e visão esclarecedora para a maioria do povo brasileiro. Tudo indica que lá fará morada até sua completa derrubada, sua completa destruição, para honra, glória, aperfeiçoamento e afirmação de uma República e uma Democracia com a cara do século XXI.
Não, não adiantam mais os remendos no sistema apodrecido que tais elites vinham realizando como forma de eternizar seu poder e seus privilégios históricos, todos em detrimento da Nação e da sua população mais sofrida e oprimida. Agora tudo parece ter ganhado luz, todos os disfarces, sombras, ganharam intensa clareza e luminosidade, o véu com que se escondia tamanha injustiça e malandragem caiu por completo. O rei está nu!
Vivemos um despertar virtuoso em relação ao Poder e sua principal manifestação institucional, a Política e os Governos. Estamos descobrindo que ele é vital para nossas vidas e liberdades, e, por isso mesmo, não pode ficar concentrado, no caso brasileiro, muitas vezes, nas mãos de um único ser humano. Descobrimos que é preciso dividir melhor o sistema de poder e, o que é mais importante, descobrir que, sem interferência popular, sem nossa luta, nada disso se realiza.
Infelizmente, muitos indivíduos e organizações situados num campo que podemos denominar como popular só enxergam divergências, alheios ao que poderia unir nosso povo contra o atual sistema. Veem apenas conflitos de classes onde poderia existir cooperação de determinados segmentos sociais. Assim, faz-se necessário deixar mais evidente: todos aqueles que jogam para a divisão do povo brasileiro nesse momento, estigmatizando, diminuindo, criando conceitos rasos e falsos, de última hora, que confundem mais do que explicam, terminam por servir aos interesses dos poderosos de sempre. Eles criam tais divisões por calculado e planejado propósito de continuarem mandando.
É hora de deixar de fazer escoras para tais muros de contenção. É hora de deixar o sistema cair, mesmo que não tenhamos em cálculos o que poderá advir. É hora do coração, da poesia, da abertura ao mistério, ao acaso e ao devir, aliás, como é de praxe em todos os momentos históricos importantes, como bem pensou Walter Benjamin, o filósofo alemão que viveu tais momentos no início do século XX, ao afirmar que “o ser humano livre, sedento por conhecimento, deve se lançar aos extremos mais distantes e sua existência não pode ser vista como bem-sucedida se não tiver passado em revista todos os extremos, ou ao menos tentado”. Para ele, “origens” não são acontecimentos no tempo histórico, mas começos de novas cronologias e também de relações de mundo. Nesse sentido, parece que estamos diante de um fenômeno de “origem” de um novo tipo de relação, nossa com os outros e com o mundo. Por isso, devemos abandonar as velhas formas que dividem mais do que unem. Elas já são totalmente incompatíveis, nosso desafio é prestar mais atenção, estudar mais, refletir com embasamento mais amplo, enfim, ficarmos mais atentos a essas novas “linhas de acontecimentos”.
Além da obra de Benjamin, podemos ainda verificar esse abandono do ideal de construção do mundo logicamente explicada e uma aposta na “exploração de uma simultaneidade contraditória” também quando nosso poeta Castro Alves, diante do horror da escravização, invoca em seus famosos versos:
“Mas que vejo eu aí… Que quadro d’amarguras!
É canto funeral! … Que tétricas figuras! …
Que cena infame e vil… Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”
Por acaso, não estamos, no Brasil atual, na nossa falsa república, diante das mesmas “tétricas figuras” de outrora? Será que não são a continuidade daquelas que ainda hoje provocam amarguras mil e outras infinitas cenas infames?
Naquele momento, em que a exploração e a escravização de seres humanos eram vistas como algo normal, ordinário, pelo olhar de muitos, para o olhar e os sentimentos do poeta eram vistas como algo horroroso, anormal, extraordinário, e como tal merecia uma saída disruptiva, para ficarmos num termo de uso mais atual.
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro… ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!…
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! …”
Pois é, acredito que estamos num desses momentos históricos extraordinários, e percebo um sentimento forte e definidor, principalmente na geração atual mais idosa: para além de não querer mais deixar a vida passar em pura acomodação e resignação, quer resolver essa nova fatura horrorosa do Brasil, nessa quadra histórica, antes da morte dessa geração. Ela parece ter resolvido não deixar para depois, para filhos e netos. Quer resolver exatamente pensando nestes. Quer uma existência cheia de propósito político e estético. Busca constituir-se como um novo sujeito histórico na política e, ousaria afirmar, como uma nova obra de arte, uma nova vida bela e repleta de novos significados. Uma existência recheada por novos símbolos ávidos por deciframento!
Experiências históricas que auxiliem o povo brasileiro a apostar na importância de perseguir o ideal democrático, o Brasil já as possui. Reconhecer o valor substantivo da Democracia, o valor dela por si só, mesmo que não esteja aí para resolver de maneira imediata nossos principais problemas, ainda carecemos de aumentar essa consciência. Por isso, tal tentação faz com que esperemos sempre pelo Grande Pai.
Por isso, devemos todos partir da consciência de que, ao resolvermos caminhar por estradas mais amplas e inclusivas, estaremos, por algum tempo, andando também no fio da navalha, num caminho repleto de riscos. Porém, para nossa compensação e conforto mental, não podemos esquecer que os que querem se libertar sem correr riscos já estão mortos. Nesse sentido, nossa maior luta, nossa maior preocupação, será evitar com que oportunistas, autocratas e ditadores se apropriem dos caminhos e destinos que o povo brasileiro tecerá para fortalecer ainda mais essa nossa jovem Democracia.
Edson Miranda Borges é jornalista e mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
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