Opinião
CPI dos licenciamentos ambientais é inadiável para defesa do meio ambiente, territórios e comunidades da Bahia, por Hilton Coelho
Precisamos interromper a violência, o racismo e o crime ambiental, que assolam e vitimizam o nosso povo.
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Hilton CoelhoA Comissão Parlamentar de Inquérito do Licenciamento Ambiental é uma medida inadiável que o Poder Legislativo baiano precisa constituir. Nosso mandato vem construindo, com escuta cuidadosa e coletiva, o pedido respaldado dessa CPI, que deve tratar de questões graves e urgentes que ferem os direitos do povo baiano.
Temos recebido e visto denúncias de diversos movimentos socioambientais e representantes de todos os biomas que cobrem o estado da Bahia sobre irregularidades na emissão de licenciamento ambiental. Esse assunto não é novo, e só deixa à mostra uma ponta do iceberg.
Estamos falando de licenciamento nas mais diversas áreas, como a da mineração, produção de energia eólica, solar e de Pequenas Centrais Hidrelétricas, assim como na das próprias obras realizadas pelo Estado, no avanço do agro e hidronegócio e na “concessão” de parques públicos, termo que oculta verdadeiros processos de privatização.
Na Bahia, “passar a boiada” não é uma novidade do governo Bolsonaro. Assistimos a práticas escandalosas de órgãos ambientais, tanto do estado como de municípios baianos, que em vez de defenderem a legislação ambiental, facilitam a ação de grileiros, de desmatamentos criminosos, as práticas mais vis do agronegócio, a perseguição a povos e comunidades tradicionais — que têm seus territórios cobiçados pelos mais diversos empreendimentos —, o esbulho de populações instaladas em terrenos de potencial valor especulativo, a intrusão em territórios de preservação ambiental, além de proteção a quem descumpre a legislação, revelando um total descompromisso com os princípios legais e democráticos, com a segurança ambiental e com a prevenção de desastres ambientais.
Na Região Metropolitana de Salvador, não faltam exemplos de licenças ambientais concedidas por municípios seguindo a mesma ofensiva cometida pelo Governo do Estado.
O município de Camaçari talvez seja o mais escandaloso entre os casos. O Poder Executivo, ao liberar alvarás e licenciamentos suspeitos para construção de projetos imobiliários milionários, permite resultados como o aterramento de lagoas, nascentes de rios, devastação de manguezais e matas ciliares, gerando grandes impactos para a biodiversidade, mas também para comunidades pesqueiras, ribeirinhas, agrícolas inteiras.
Como se isso não bastasse, a Prefeitura de Camaçari tem feito vista grossa para ações de grilagem protagonizadas por milícias, contando, inclusive, com a participação de policiais, colocando a cidade nos noticiários estaduais e nacionais.
Em 2020, Messias Souza, conhecido por Cidinho, foi executado em Vila de Abrantes depois de denunciar em suas redes um homem de nome Cleves por ameaçá-lo e liderar a grilagem de terras na região. Mais de 40 moradores da localidade confirmam a versão de Cidinho e se dizem ameaçados por capangas de Cleves. De acordo com fontes do Correio da Bahia, em 3 de janeiro de 2016 o Ministério Público da Bahia (MP-BA) denunciou Cleves e outras três pessoas pelos crimes de formação de quadrilha, estelionato e falsificação de documentos.
Ainda em 2020, milicianos ligados à grilagem de terras foram acusados pela execução de um soldado da Polícia Militar, Ítalo de Andrade Pessoa, de 27 anos, e do ex-fuzileiro naval Cléverson Santos Ribeiro.
Ano passado, o assentamento Tererê, em Catu de Abrantes, foi invadido por milicianos, tendo suas casas destruídas. De acordo com fontes do G1, homens encapuzados invadiram o assentamento e derrubaram 30 casas com tratores. Moradores relataram haver uma especulação imobiliária para implantação de um condomínio de luxo no local.
Diante desse cenário, convidamos a Câmara de Vereadores de Camaçari a se engajar nessa ampla mobilização pela aprovação da CPI dos licenciamentos ambientais na Alba (Assembleia Legislativa da Bahia). O convite se estende à Câmara de Vereadores de outros municípios do estado que venham sofrendo situações iguais ou similares.
Outro caso gravíssimo na região metropolitana vem ocorrendo no município de Lauro de Freitas. Nos últimos anos, o Quilombo de Quingoma enfrenta situações com grileiros, empreiteiras e com os governos estadual e municipal, que permanecem em total descaso com a vida dos moradores da localidade, intensificando a especulação imobiliária e a devastação de rios e matas, que visam apenas o lucro.
Segundo relatos da Defensoria Pública, as famílias destacam ameaças por conta de invasões, que se tornaram cada vez mais frequentes a partir de 2012. Recentemente, com a construção da Via Metropolitana Camaçari-Lauro de Freitas, houve intensificação das ameaças e tentativas de assassinato de lideranças, entre elas a Mãe do Quilombo e orientadora espiritual, Dona Ana Lúcia dos Santos Silva.
Conhecida como Donana, a líder destaca que já foram feitos diversos boletins de ocorrência na 27ª Delegacia, em Itinga, mas as situações de assédio com o objetivo de tomar as terras não cessaram. Há ainda relato de crescimento da devastação da área verde, aterro de nascentes que abastecem a comunidade, entre outros danos.
O Mandato da Resistência, ao qual represento no campo institucional, segue atento, junto à Defensoria e Comissão de Direitos Humanos da Alba, aos desdobramentos ocorridos na localidade. É certo que não daremos nem um passo atrás na defesa da comunidade, que se encontra ameaçada por interesses da especulação imobiliária.
Ao nosso ver, em relação aos licenciamentos concedidos pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), há indícios suficientes para que a Assembleia Legislativa instale uma CPI para investigar essas concessões ambientais na Bahia.
Só para se ter uma ideia, o Inema autorizou o desmatamento de 24,7 mil hectares, segundo informações de movimentos ambientalistas e também do noticiário UOL, para uma única empresa, a Delfin Rio S/A, que faz parte do Condomínio Cachoeira do Estrondo, conjunto de fazendas na cidade de Formosa do Rio Preto, localizada na região do cerrado. Essa imensa área corresponde a mais de um terço de todo o município de Salvador, maior que todo o município do Recife, que tem 21,8 mil hectares. A licença foi dada pelo governo Rui Costa em 2019.
O órgão ambiental segue dando licenças cujas justificativas são obscuras e incongruentes com as normas constitucionais e interesse público. Alguns exemplos dessa devassa são a concessão da instalação do complexo portuário à empresa Bahia Terminais, em área de preservação permanente na Ilha de Maré, assim como a liberação da implantação da Via Metropolitana Camaçari-Lauro de Freitas em território do Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas.
O mesmo Inema também concedeu licença, flagrantemente ilegal, para a empresa Hayashi, ligada ao agronegócio, para desmatar área na cidade de Piatã, região da Chapada Diamantina, onde existem várias espécies ameaçadas de extinção. O órgão ambiental também autorizou a construção de uma estação elevatória de esgoto às margens da Lagoa do Abaeté, em Salvador, sem consulta e sem estudos aprofundados.
Entre as inúmeras manifestações do Ministério Público Estadual acerca das ações do Inema, há a recomendação de que fosse suspensa a concessão do parque estadual das Sete Passagens, justamente por conta de várias irregularidades no processo.
Por conta de tudo isso e de outros escândalos semelhantes, é urgente uma CPI do licenciamento ambiental na Assembleia Legislativa da Bahia, assim como CPIs constituídas pelas Câmaras Municipais das cidades da região metropolitana onde os licenciamentos incorrem em crime. Precisamos interromper a violência, o racismo e o crime ambiental, que assolam e vitimizam o nosso povo.
Hilton Coelho é deputado estadual (Psol-BA), historiador, ativista dos movimentos populares e membro da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público, assim como de Direitos Humanos e Segurança Pública, titular da Comissão Especial da Promoção da Igualdade na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba).
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
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