Opinião
Contrariando o que seria uma boa política, eleição na Bahia começa pela chapa, por Edson Miranda
Vão virando pó nossas esperanças por uma nova mentalidade das nossas elites políticas no pós-pandemia.
Publicado
em
Por
Edson MirandaO ideal de uma boa política, voltada para os interesses gerais de qualquer sociedade, é que comece sempre por um bom diagnóstico dos problemas, e, com base nestes, construa um Programa Eleitoral capaz de solucionar, ou pelo menos começar a mitigar, os problemas diagnosticados, o que no caso da Bahia e do Brasil não são poucos.
Por essa lógica, a construção da “chapa” de parceiros e aliados seria um segundo passo, pois é fundamental que os parceiros arregimentados estejam em consenso sobre o programa. Do contrário — e é, infelizmente, o que acontece na política brasileira —, as tais alianças e chapas eleitorais viram apenas uma artimanha para conciliar uma série de interesses individuais, de grupos e facções diretamente envolvidas com a política.
Nesse caso, o interesse geral da sociedade, dos cidadãos e cidadãs afastadas da política é o que menos importa, e, dessa maneira, entra eleição, sai eleição, e assistimos a esse grande espetáculo brasileiro dos estelionatos eleitorais: os problemas continuam, até se agravam, e os interesses particulares sempre se acomodam nessa tal de “chapa”. Quem não lembra da expressão popular “diga aí meu chapa”? Parece que ela serve de base moral, e não política, para a constituição desses conluios.
Assim, no decorrer desta semana fomos sacudidos — embora não surpreendidos, pois quem acompanha a política de perto não se surpreende com mais nada — com a iniciativa do atual governador da Bahia, Rui Costa, em compor a chapa majoritária para as eleições deste ano. Vale salientar que, por favas contadas e sacramentadas, o nome de Costa já não era, há muito tempo, cogitado nas possíveis composições vindas a público.
Não pretendo aqui entrar em detalhes e análises a partir de informações que surgiram no decorrer do fato, inclusive após as apressadas reuniões nacionais com os caciques do PT, PSD e, certamente, também do PP, principais partidos da base de sustentação do atual governo baiano.
Não me interessa tanto esse padrão de análises, digamos, muito focado apenas no jogo duro da política. Ele termina por reforçar modelos e estereótipos, e nesse sentido pouco ajuda nosso povo a superar visões arcaicas do campo político. Claro, essas análises ainda têm seu lugar, principalmente no reforço ilusionista da realpolitik, mas, acredito, não conseguem atingir a verdadeira motivação para fatos e iniciativas no campo da política institucional.
Como muitos podem notar, a análise que faço desse fato pode ser considerada ou questionada por muitos como sem “política”. Entretanto, eu pergunto: quem em sã consciência pode afirmar que a política no Brasil é movida por razões estritamente de ordem política?
Já é de domínio público que o Brasil não é para amadores, e de fato não é. Tentar analisar esses “causos” da política apenas com conceitos das Ciências Políticas e da Teoria Social pode significar chover no molhado. Manter determinadas análises apenas para segurar a curiosidade da audiência também é fazer pouco caso da inteligência alheia.
Os comentadores de novelas ou do BBB chegam a ser mais realistas, convincentes e consistentes, na medida em que têm acesso a capítulos já gravados e às câmeras 24 horas do reality, enquanto os comentadores da tal política só têm acesso às versões que os políticos querem ver publicadas. Nesse caso, analistas e jornalistas viram meras marionetes e espalhadores de fofocas nas mãos de quem manipula os interesses do poder.
Já que o Brasil não é para amadores e o campo da política é habitado por arteiros campeões da sobrevivência, uma possibilidade é trazer para tal análise conceitos de outras Ciências, a exemplo da Antropologia, da Psicologia Moral, Evolutiva, dentre tantas outras. É isso o que tento fazer atualmente.
Assim, nesse momento em que a cultura popular pouco pode fazer para compreender esse mundo particular e discurso da política e dos políticos, no qual se realiza uma verdadeira competição para ver quem manipula mais, quem se habilita mais na arte da enganação, quem mergulha mais fundo na trapaça e no embuste, visando amealhar a boa-fé do homem e da mulher comuns, uma visão mais atenta, mais complexa, pode ser oferecida pela combinação das Teorias Políticas e Sociais com outros conceitos das Teorias dos Jogos, dos Modelos Relacionais, dentre outras.
Sem poder descer a detalhes nesse texto, acredito que os Modelos Relacionais dos antropólogos Richard Shweder e Alan Fiske, e ainda o modelo do psicólogo Jonathan Haidt, que em modos gerais mostra como “muitas atribuições de um modelo relacional a um conjunto de normas sociais parecem naturais às pessoas de todas as sociedades e podem estar enraizadas em nossa biologia”, a exemplo dos modelos relacionais denominados por Fiske de “escalão de autoridade” e “partilha comunal”, conseguem apresentar para nós uma outra realidade, pouco acessada e, portanto, pouco discutida e analisada, da natureza da nossa política, dos nossos líderes políticos e empresariais, enfim, da natureza da nossa sociedade.
Em relação à iniciativa política do governador, para ser sincero, eu sempre achei estranho Rui não compor essa chapa estadual de 2022. É o mais lógico, a não ser que o racha entre Rui e Wagner — se é que existe, não estou afirmando, é mera especulação — esteja tão intenso a ponto de um não querer nem olhar para a cara do outro.
Quem militou, conviveu algum tempo na política institucional e partidária, entende muito bem o desespero de Rui. É o mesmo de qualquer político que tem satisfações a dar à polícia e à Justiça, algo normal no Brasil, diga-se de passagem. Após uma gestão de dois mandatos, sempre fica algum “rabo” a ser esclarecido, resolvido, depois da gestão. Esses gestores/políticos não querem ficar sem mandatos, pois sem mandatos, para inclusive pagar bancas caras de advogados e outros compromissos, eles sabem da grande possibilidade de se ferrarem no futuro próximo.
Sem um mandato nas mãos, uma punição que lhes traga prejuízos, inclusive políticos, chega a cavalo!
Rui tem filhos pequenos para criar, e certamente, a alma feminina, muito mais sensível e atenta que a masculina, deve estar fazendo justas pressões nesse momento.
Acredito que, enquanto falsas teses em nome da política estão sendo levantadas para justificar posições, mas, no fundo, no fundo, configuradas pelos modelos relacionais citados acima, o gato que tiver maior unha subirá na parede ou no palanque!
Esperar para ver é o que resta aos simples mortais, pobres militantes desses partidos. Esperar também é o que resta aos detentores de cargos no governo e de mandatos parlamentares que não habitam o Olimpo.
Por fim, uma pergunta para a qual logo teremos resposta é se os “companheiros” realmente pretendem jogar Rui Costa na cova do leão.
Esperar pelos deuses do Olimpo é o que também nos resta! Amém!
Edson Miranda Borges é jornalista e mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas.
*Este espaço é plural e tem o objetivo de garantir a difusão de ideias e pensamentos. Os artigos publicados neste ambiente buscam fomentar a liberdade de expressão e livre manifestação do autor(a), no entanto, não necessariamente representam a opinião do Destaque1.
Leia Também
-
Docentes de universidades estaduais da Bahia paralisam atividades por 24h na quinta
-
“Camaçari precisa de uma nova forma de governar”, afirma Flávio Matos ao criticar velhas práticas da política
-
“Agora tenho certeza que vamos conseguir fazer esse gol”, crava presidente do PT da Bahia sobre Zé Neto
-
Projeto de escuta da população ‘Diga Aí’ acontece neste sábado em Monte Gordo
-
Seminário sobre Inteligência Artificial nas Eleições inicia ciclo de debates em Salvador
-
Políticas públicas para literatura periférica serão pautadas em audiência pública na Alba