Camaçarienses relatam como pobreza menstrual afeta suas rotinas

Você sabia que uma pessoa que menstrua gasta, em média, R$ 6 mil em absorventes durante toda a vida? Que uma em cada quatro jovens do país não tem dinheiro para comprar produtos higiênicos durante o período menstrual em algum momento da sua vida? Sabia que 30% da população global não tem acesso a saneamento básico? Já parou para pensar como é encarar a menstruação sem ter um banheiro ou pia para se higienizar?

“Não era todo o mês que tinha o dinheiro pra comprar o absorvente, e o banco [de absorventes] me ajudou bastante. O dinheiro que ia comprar o absorvente comprava outras coisas pra dentro de casa, tipo material de limpeza, comida”, relata A.S.A, 14 anos. A jovem mora com os pais e mais duas irmãs, tendo como principal fonte de renda o Bolsa Família.

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Ela é aluna da Escola Municipal Cosme de Farias, que desde 2017 conta com o banco de absorventes para dar suporte às alunas no período menstrual e diminuir a evasão escolar. A ação foi criada pela então diretora da unidade, Edcleia Pereira Dias, para atender as 270 alunas matriculadas do 6º ao 9º ano.

“Eu cheguei a faltar muito na escola por conta da menstruação e por medo também. Eu tinha medo que as pessoas vissem que eu estava menstruada. Quando eu ia, botava um casaco atrás, e aí os meninos puxavam, era motivo de chacota, entre milhares de coisas que já me aconteceram. Isso pra mim foi extremamente horrível, eu tinha medo. Já chegou da minha menstruação vazar e ter que ir com um paninho. Depois do banco de absorvente foi extremamente incrível, mudou completamente”, conta E.S.S, 17 anos, ex-aluna da escola.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, em todo o mundo, uma em cada 10 meninas falta a escola durante a menstruação. O levantamento da Always confirma que uma em cada quatro mulheres já faltou aula por não poder comprar absorventes.

Durante toda a vida, pessoas que menstruam têm cerca de 450 ciclos menstruais e utiliza em média 20 absorventes por ciclo, é o que mostram dados do projeto Fluxo Sem Tabu. Partindo dessa base, a estimativa é que sejam usados 10 mil absorventes durante toda a idade fértil.

No Brasil, os absorventes ainda são considerados produtos de cosmético, sendo um dos países que ainda cobram impostos sobre o produto, estando também entre as maiores taxas. Em 2013, a Medida Provisória (MP) 609, que reduzia a zero a alíquota do PIS/PASEP e Cofins dos produtos da cesta básica, o que significa dizer que os preços desses itens ficaram isentos de impostos, também previa a isenção dos absorventes. Porém, essa parte da MP foi vetada, sendo retirados dessa lista os absorventes, fraldas e escovas de dente.

Caso esse trecho tivesse sido aprovado, os preços desses produtos poderiam ser mais baixos e acessíveis para quem os consome, principalmente pessoas de baixa renda.

No Rio de Janeiro, uma lei já assegura a distribuição gratuita de absorventes para pessoas em situação de vulnerabilidade social. No estado, o item foi incluso entre os produtos da cesta básica. A nível nacional, projetos de lei (PL) para assegurar o mesmo direito para outras brasileiras tramitam na Câmara dos Deputados desde 2019, tendo sido apresentados pelas deputadas Rejane Dias (PT-PI), Tabata Amaral (PDT-SP) e Marília Arraes (PT-PE).

Em Camaçari, o PL nº 026/2021, de autoria do presidente da Câmara de Vereadores, Júnior Borges (DEM), foi apresentado no dia 4 de maio, mas ainda não entrou em votação no plenário. A matéria deseja implantar o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas do município, abrangendo ensino fundamental e médio.

Quando falamos desses aspectos, estão envolvidas questões para além da saúde. O mês de maio é dedicado à visibilidade menstrual, e hoje (28) é o Dia da Higiene Menstrual, período em que diversas questões ligadas à menstruação vêm à tona, a exemplo da pobreza menstrual, que envolve questões financeiras, de saneamento básico, educação, saúde e autoestima.

“Eu agora tinha aquela segurança que eu teria absorvente, que eu não precisaria ter medo de ir à escola por falta de absorvente, com medo de acabar e vazar. Mudou completamente. O banco de absorvente foi extremamente incrível na minha vida. Hoje em dia eu não uso mais o banco de absorventes, até porque eu saí do colégio, eu comecei a trabalhar e hoje eu não preciso mais. Mas depois do banco de absorventes, foi tudo pra mim, mudou completamente a minha vida”, pontua E.S.S.

“Esse projeto ajuda mães e pais a também tirar vergonha, como tem gente que tem vergonha de falar sobre esse assunto, porque tem gente que não tem como comprar, então fica meio receoso de falar as coisas. Eu acho que esse projeto deveria expandir em todas as escolas do Brasil”, defende A.S.A.

*Esta reportagem optou por utilizar apenas as iniciais das adolescentes, a fim de não expor suas identidades.